Mulheres na Segurança Pública – uma incorporação ainda desigual

6 de março de 2015 Comente »
Mulheres na Segurança Pública – uma incorporação ainda desigual

Jornal Mulier – Maio de 2013, Nº 112

Crescentemente presentes nas Polícias Civil, Militar, Científica e Corpo de Bombeiros, mulheres enfrentam discriminação e desvalorização

No momento em que temos, pela primeira vez na história do país, uma secretária nacional de Segurança Pública (Regina Miki) e uma delegada na chefia da Polícia Civil no Rio de Janeiro (Martha Rocha), atualmente eleita para presidir o Conselho Nacional de Chefes de Polícia, entidade que reúne comandantes de polícia de todo o país, desperta interesse conhecer a realidade das mulheres trabalhadoras da área de segurança pública no Brasil.

Diante dessa incógnita, o Ministério da Justiça e a Secretaria Nacional de Segurança Pública lançaram recentemente o estudo “Mulheres nas Instituições de Segurança Pública Nacional: estudo técnico nacional”. Segundo a secretária nacional de segurança pública, Regina Miki, o estudo é uma iniciativa inédita com objetivo de avançar na elaboração de políticas públicas específicas para as profissionais da área. O desejo foi conhecer a história institucional e de vida dessas mulheres, considerando-se o impacto, as resistências e as adaptações provocadas nas instituições em resposta à presença feminina em um ambiente essencialmente masculino para proporcionar melhores condições de trabalho às mesmas.

Miki lembra que o ingresso de mulheres na segurança pública fortaleceu-se em meados da década de 1980, mas “o marco histórico da ocupação, por mulheres, dos cargos mais altos de instituições de segurança pública em diversos estados brasileiros deu-se a partir da primeira década do século XXI”.

A criação de um Corpo Feminino na Guarda Civil do Estado de São Paulo, em 1955, é considerada um marco para a entrada de mulheres nas Instituições de Segurança Pública no Brasil. A partir dos anos 1970, as Polícias Militares e Civis de outras unidades da federação também começaram a incorporar mulheres. Um maior incremento feminino aconteceu especialmente a partir de 1985, com a criação da primeira Delegacia de Mulheres, necessitando de efetivo feminino para a função.

Interessante ressaltar a diferenciação de sexo nas tarefas: as mulheres foram direcionadas a tarefas mais funcionais, relacionadas com problemáticas sociais, num papel de pacificação e proteção nas comunidades. Era um momento de processo de redemocratização política no Brasil, com a promulgação da Constituição em 1988 e toda uma discussão sobre reforma policial, políticas afirmativas e novas concepções de segurança pública, “que visavam romper com um passado de repressão e truculência que caracterizavam negativamente as corporações policiais e avançar na incorporação dos princípios de respeito aos direitos humanos em um modelo de segurança cidadã”.

Ou seja, a entrada das mulheres serviu para “humanizar” a polícia e, por outro lado, ajudou a liberar os homens de funções administrativas e burocráticas, permitindo-os atuar nas frentes de combate à criminalidade urbana, local de maior visibilidade, proporcionando a ocupação de postos mais altos na hierarquia.

Mulheres com pouca visibilidade

Para o estudo que mapeou a situação das mulheres na segurança pública no Brasil, foram realizados levantamento e revisão de bibliografia, entrevistas individuais e grupos de discussão e pesquisa quantitativa com mulheres das polícias civis, polícias militares, polícias científicas/institutos de perícias criminais e corpos de bombeiros de todo o país. Num primeiro momento, já houve a constatação da carência de estudos sobre o tema, tanto no setor de segurança pública e polícia quanto entre os estudos feministas e de gênero.

O que existem são estudos sobre o desenvolvimento de políticas públicas para combater a violência contra a mulher e a capacitação das profissionais envolvidas nesse trabalho. Pouco se sabe sobre quem são as policiais, porque escolheram a carreira. No material bibliográfico analisado, há pouca análise sobre as vivências e experiências de gênero experimentadas pelas policiais, dentro das instituições onde atuam ou mesmo nos próprios lares.

Nas entrevistas com policiais, bombeiras e peritas, verificou-se que poucas tinham conhecimento anterior sobre as funções de segurança pública ao ingressarem na carreira ou receberam influência da família na escolha profissional. Muito jovens, ingressaram na carreira especialmente por motivos como salário e estabilidade.

Segundo o estudo, de modo geral, as entrevistadas não apresentaram uma reflexão sobre ser mulher e policial, mas reconhecem o pouco preparo das instituições às quais pertencem para recebê-las, que as relações de trabalho não são fáceis, há muito machismo e são permanentemente desafiadas a provar poderem estar naquele lugar por serem mulheres. “O despreparo institucional pode ser percebido em diferentes dimensões, incluindo a inexistência de instalações adaptadas para o uso feminino – como alojamentos e banheiros, garantindo o respeito à sua privacidade e condições dignas de trabalho. Está também refletido na ausência de políticas para aquisição de equipamentos de proteção individual ergonomicamente adaptado ao uso pelas mulheres, para que possam ‘fazer ainda melhor aquilo tudo que já fazem muito bem”.

Sobre a chegada aos mais altos postos, elas reconhecem os obstáculos. Em algumas corporações militares, as carreiras de homens e mulheres são separadas, e as mulheres nunca podem chegar aos postos mais altos de comando. Já em outras, a carreira é única, mas arranjos institucionais baseados em promoções em critérios de mérito e antiguidade acabam por fazer somente os homens ocuparem os postos mais altos.

Mulheres

E a relação com os colegas homens? No início da atividade, segundo relatam as mulheres, a convivência foi difícil porque se sentiam testadas em suas habilidades, pressionadas a realizar todas as tarefas sempre da melhor maneira possível. Relatam constrangimento provocado pelas piadinhas com conotação sexual, cantadas e insinuações pelo fato de serem mulheres, jovens, bonitas. Para outras, a relação parece ter mudado com o tempo, tornando-se, “mais fraternal, de proteção, pelo desejo dos ‘antigões’ ensinarem para as ‘novinhas’ como fazer o trabalho, a proteção nas atividades de maior risco”.

Segundo relato de uma policial militar, essa relação com o feminino na polícia é interessante, “ou eles te desqualificam ou sacrificam”, afirma. Tem aqueles que dizem “coitadinha, não vai dar conta porque é mulher” ou “elas estão aqui, bem feito, quem mandou…”. Geralmente concordam: os homens policiais não admitem ver uma mulher fazendo um trabalho tão bem ou melhor em relação a eles.

Mas se esta é uma característica de desigualdade de gênero, outro problema atinge mulheres e homens devido às posições hierárquicas: o assédio moral. “Para a maior parte das entrevistadas, as instituições de segurança pública não oferecem qualquer tipo de apoio para vítimas de assédio sexual e/ou moral, não oferecem canais de denúncia que sejam confiáveis e que não resultem em novas punições e constrangimentos para as vítimas”. Um apoio da instituição depende da postura profissional de um ou outro chefe, que pode se sensibilizar com a situação. Em geral, a solução passa pela remoção da pessoa assediada para outro departamento/batalhão/setor, nunca pela denúncia daquele que assedia.

Para evitar situação de assédio, as entrevistadas afirmam adotar como tática uma “postura adequada”, ou seja, manter-se séria, trocar a gentileza pela sisudez, manter-se em permanente vigilância e autoexigência para a “perfeita” execução de tarefas, mesmo as mais simples e cotidianas, tentando mostrar aos colegas que estão ali como profissionais e esperam este reconhecimento. Interessante perceber o machismo das próprias mulheres, ao relatarem casos de algumas colegas não saberem manter a “postura”, prejudicando-se e manchando a imagem de todas as demais.

Saúde e vida privada

A pesquisa também avaliou as condições de saúde das profissionais da segurança pública. Os casos mais comuns de problemas de saúde são infecção urinária recorrente e lesão por esforço repetitivo (LER), além de alguns relatos de doenças relacionadas à saúde emocional – ansiedade, sobrepeso e distúrbios de sono em consequência do trabalho em períodos de plantão. Mas elas elogiam o tratamento dado às grávidas. Estas geralmente são transferidas para serviços administrativos logo quando descobrem a gravidez, sem sofrerem com esforços físicos extremos. No entanto, a licença-maternidade costuma trazer problemas quando voltam ao trabalho, como transferências e mudanças de escalas.

Para as profissionais de segurança pública, é difícil a relação familiar, seja no casamento, pelo ambiente masculino e machista em que trabalham e os plantões, sendo muito comum (e mais fácil) o casamento com colegas de profissão, e a relação com a casa e filhas(os), também pelos plantões, sobreavisos e salários baixos. Falta tempo para cuidar de si, de sua saúde física e mental.

A conclusão da pesquisa é que as instituições não se preocuparam em incorporar mudanças às suas políticas e estruturas para a inserção feminina. Com isso, não aproveitaram o potencial de trabalho e a capacidade crítica das mulheres. “Ao contrário, as mulheres são permanentemente pressionadas para se adequarem aos padrões institucionais refratários à igualdade de gênero”. Isso prejudica até a possibilidade de transformar estas instituições.

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