Marlise Matos – professora e pesquisadora do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

2 de março de 2013 Comente »
Marlise Matos – professora e pesquisadora do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Foto: Ricardo Costa

Jornal Mulier – Maio de 2009, Nº 64 

Marlise Matos afirma que as mulheres podem melhorar a política e fazer a diferença se tiverem uma visão de emancipação feminina 

Marlise Matos é professora adjunta do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde também coordena o Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem – UFMG). Ela analisa a participação das mulheres nos espaços da política representativa e antecipa algumas informações sobre livro que escreve sobre o assunto.

Mulier – Como vê a participação das mulheres nos espaços de poder e decisão no Brasil? 

Marlise - Depende da forma como se vê esta participação, porque temos que entendê-la de forma mais ampla. O Parlamento vai espelhar a situação de desigualdade que as mulheres vivenciam na sociedade. Mas, se analisarmos os movimentos sociais em diversos setores, como saúde, educação, movimentos comunitários e urbanos, como pró-moradia e transporte coletivo, a participação política das mulheres nesses âmbitos é maior. Elas vão às plenárias e participam de maneira ativa de deliberações sobre orçamento participativo. Em assuntos que reiteram a questão dos cuidados, essa presença é ainda mais visível, mas as mulheres também estão em outros espaços como os sindicatos. O problema é que elas não se fazem representar, elegem homens para isso. E nós não enxergamos e não valorizamos esse trabalho feminino. Também existe uma produção orquestrada da invisibilidade dessa participação por parte das instituições, inclusive as acadêmicas. As Ciências Sociais no Brasil são elitizadas e não refletem a realidade social da sociedade brasileira. Podemos contar nas mãos o número de pessoas que trabalham com gênero nas Ciências Políticas.

Mulier – Por que as mulheres estão sub-representadas nas instâncias de poder institucionais?

Marlise – Não existe uma resposta única para esta pergunta, é uma confluência de fatores. Tem os motivos individuais, porque as mulheres têm que arcar com o custo da participação política, que é infinitamente mais alto para elas. Todo o entorno é adverso: as mulheres não são educadas para agir no espaço público, geralmente trabalham, outras estudam, muitas têm família, atividades que precisam se dedicar, o que não se exige tanto dos homens. E não há valorização social da participação e atuação política das mulheres. Também podemos citar como adversas as dimensões do plano sociológico: no espaço de interação política, o machismo é mais arraigado. É comum o assédio moral, homens que muitas vezes as vê como se fossem disponíveis. Para essas mulheres que querem participar da política não basta ser inteligente, tem que superar as expectativas que a sociedade espera delas, de inteligência, capacidade e competência.

No Brasil, temos um perfil claro de elegibilidade: homens, de classe média, profissionais liberais, acima de 40 anos e brancos. As mulheres eleitas têm esse mesmo perfil. Mas pelas dificuldades enfrentadas e pouca visibilidade acabam não tendo ambição progressiva, não querem se reeleger. Outro desafio está no plano político eleitoral. O próprio recrutamento eleitoral é falho, poucos estatutos partidários mencionam critérios para uma maior participação de ativistas de movimentos sociais. As mulheres candidatas não estão no topo da lista dos partidos, o que chamo de “lista oficiosa”, nomes de candidatos que os partidos consideram mais elegíveis, que podem ter mais chances de vitória e recebem mais apoio e visibilidade. O sistema proporcional de listas abertas é outra dificuldade para as candidatas, assim como a Lei de Cotas (que reserva 30% das vagas dos partidos a candidaturas femininas), uma legislação que foi feita para não funcionar, já que não impõe sanção aos partidos que não a cumpre.

Mulier – O financiamento público de campanha pode ser uma maneira de aumentar a participação das mulheres na política?

Marlise – Não tenho garantia disso. Com o atual sistema partidário, se não estiver claro o que cada candidato tem direito, se o partido tiver autonomia para decidir sobre as verbas, vai se orquestrar e fazer operar o dinheiro para a “lista oficiosa” que mencionei acima. Também reitero a existência de outros recursos não financeiros que contam muito: a aparição, por exemplo, com o presidente e o governador. Outros recursos deveriam ser democratizados, como visibilidade de imagem e presença em palanque.

Mulier – Como tem visto a atuação do Movimento Feminista no processo da Reforma Política? 

Marlise – Já tivemos momento melhor, como em 2006, até por pressão de organizações como o CFemea – Centro Feminista de Estudos e Assessoria. Estou cética com relação à Reforma Política, acho que ninguém viu e ninguém vai ver, até pelo conservadorismo partidário que temos no Brasil.

Mulier – A presença das mulheres na política melhora a política? 

Marlise – Se tiverem uma perspectiva feminista, sim, melhoram a política e podem fazer a diferença. E isso não é exclusividade das mulheres, conheço homens que têm essa visão feminista e emancipatória em relação às mulheres. Mas acredito que só poderemos fazer essa análise quando tivermos mais do que 9% de representação no Parlamento como temos hoje. A bancada feminina no Congresso Nacional, por exemplo, é pequena e tem pouca visibilidade do ponto de vista político, o que é frustrante para elas, pois não conseguem fazer a diferença.

Mulier – Você está escrevendo um livro sobre mulheres candidatas a Assembleia Legislativa de Minas Gerais em 2006. Quais os principais resultados obtidos? 

Marlise - Analisamos as 92 candidaturas femininas nas últimas eleições para a Assembleia Legislativa em 2006. De início, já tivemos a dificuldade de contato com as candidatas porque os partidos, muitas vezes, não tinham um telefone de contato ou uma ficha de filiação delas para nos disponibilizar. No ano passado, também realizamos na UFMG um curso de capacitação de candidatas em várias cidades mineiras e tivemos esse mesmo problema de localização. Em virtude disso, das 270 vagas disponíveis, só conseguimos capacitar 150 mulheres. O partido é uma caixa preta para as mulheres. E, o mais interessante, é que os líderes partidários nem se dão conta desse universo. Não é uma atitude proposital e consciente as excluir da participação política. É uma questão que está internalizada, é o “inconsciente político”, acreditam que as mulheres não se interessam por política e não têm capacidade suficiente para isso.

A pesquisa para o livro “A Política na Ausência das Mulheres” revela um universo muito difícil, um cenário sombrio da atuação política institucional feminina. Os relatos são dramáticos e mostram que muitas mulheres participaram de uma experiência traumática, muitas vezes afastando-se temporariamente de responsabilidades da vida cotidiana para entrar num espaço excludente, onde não tiveram voz, apoio e visibilidade, seja do partido, da sociedade e da própria família. Acredito que o livro será bom para as mulheres candidatas saberem com antecedência das dificuldades que vão encontrar pela frente e já estarem preparadas para se colocar diante dessas situações. Acredito que gênero não deve ser um critério para votar, mas, ao não se pensar gênero nessa problemática, não há uma democracia representativa.

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