Tião Simpatia – cantor, compositor, repentista e arte educador

10 de março de 2015 Comente »
Tião Simpatia – cantor, compositor, repentista e arte educador

Jornal Mulier – Junho de 2013, Nº 113

É notável a participação dos homens na luta pelo fim da violência, hoje a sociedade não tolera mais a violência contra a mulher, afirma Tião Simpatia

Mulier – Conte-nos um pouco sobre você, suas origens e formação.

Tião Simpatia - Como diz meu conterrâneo Belchior, “sou apenas um rapaz, latino-americano/sem dinheiro no banco/sem parentes importantes/e vindo do interior…”, mais precisamente do interior de Granja (CE), cidade a 300 km de Fortaleza.

Como filho mais velho de 12 irmãos, desde cedo tive que trabalhar muito na roça com meu pai para ajudar no sustento da família. Fui alfabetizado aos 15 anos de idade através da Literatura de Cordel. Meu pai (seu Chiquinho, já falecido) não queria que eu seguisse carreira artística, mas minha mãe (dona Helena) sempre me deu a maior força. Depois meu pai viu que não tinha jeito e acabou aceitando.

Quanto à minha formação profissional, sou autodidata, aprendi ouvindo os programas de “cantoria de viola”, o forró de Luiz Gonzaga, na rádio canarinho abc lá de casa, que, aliás, meu pai depois se arrependeu muito de ter comprado, porque aprendi a gostar da cultura nordestina. Ouvia os repentistas e, no dia seguinte, ficava “brincando de fazer repente” com meus irmãos na lida do roçado. Aí fui me aperfeiçoado, como continuo fazendo até hoje, pois o aprendizado é contínuo.

Mulier – O que destaca da cultura nordestina e como a mesma é utilizada em sua obra?

Tião Simpatia - Destacaria o Repente*, que é improvisado na hora, foi assim que comecei; a Literatura de Cordel, que primeiro se escreve e depois se apresenta ao público; a Embolada**. Sempre gostei de usar estes elementos nas minhas apresentações. São minhas raízes, está no sangue. Agora, o que eu faço é dar um caráter mais pedagógico aos temas que abordo, como é o caso da “A Lei Maria da Penha em Cordel” e o cordel do “Voto Consciente”.

Mulier – Quando e como começou seu interesse em trabalhar com a temática da violência contra a mulher?

Tião Simpatia - Em novembro de 2006, recém-chegado do interior do Ceará em Fortaleza, no intuito de alçar voos mais altos, conheci Paula Castro (Paulinha), então assessora de Maria da Penha. Ela me falou da lei recém-criada e pediu que fizesse uma música sobre o tema da violência doméstica, pois estavam querendo dar maior visibilidade à causa. Alguns dias depois, entreguei a música “Maria da Penha”, gravada apenas voz e violão em CD. Após uma semana, já fui chamado para uma parceria. De repente a música começou a tocar nas rádios de Fortaleza, e os canais de TV locais começaram a me chamar para dar entrevistas e fazer apresentações ao vivo. A partir daí, comecei a viajar pelo Brasil com Maria da Penha e continuamos até hoje.

Música “Maria da Pena”

Mulier – Como tem usado sua arte para sensibilizar sobre o assunto?

Tião Simpatia - Em 2010, eu e minha equipe resolvemos reunir todo esse material produzido em torno da Lei Maria da Penha e da questão de gênero em um DVD intitulado “Mulher de Lei”, gravado ao vivo no Centro Dragão do Mar, em Fortaleza, numa parceria entre o Instituto Maria da Penha e a Coordenadoria de Políticas Públicas para as Mulheres do Estado do Ceará, para que as pessoas interessadas no tema tivessem maior acesso ao conteúdo. Parte desse material está disponível no You Tube.

Uso também as redes sociais e participo da Campanha do Secretário- Geral da ONU “UNA-SE pelo fim da Violência contra as Mulheres”, que dispõe de uma plataforma na internet, onde os participantes, que já somam 71 artistas latino-americanos, publicam suas obras. Todas as ações que desenvolvo aqui no Brasil são publicadas lá, tendo uma repercussão gigantesca. O endereço é: http://artistaunete.blogspot.com.br.

Mulier – Como tem sido a divulgação e aceitação de seu livro “A Lei Maria da Penha em Cordel” e o DVD “Mulher de Lei”?

Tião Simpata - Diariamente recebo depoimentos de pessoas afirmando que estão usando tanto o cordel quanto o DVD como ferramentas de trabalho para ilustrar palestras em suas respectivas comunidades. Isso significa que estamos atingindo nosso objetivo: a disseminação da Lei Maria da Penha e uma maior conscientização da sociedade sobre estas questões.

Livro-A-Lei-Maria-da-Penha-em-Cordel

Cordel Maria da Penha musicado

Mulier – Tem observado uma maior participação masculina na luta pelo fim da violência de gênero? Como?

Tião Simpatia - Sim. É notável a participação dos homens nessa luta, que é de todas e todos. Hoje a sociedade não tolera mais a violência contra a mulher. Muitos homens vão às palestras que fazemos, aos shows, e adquirem o DVD e o Cordel, geralmente para presentear a esposa,a mãe, os amigos. Os próprios gestores também estão mais comprometidos com a criação de políticas públicas para as mulheres. Acho que o patriarcalismo aos poucos está sendo quebrado. Mas ainda levará um bom tempo para uma tomada de consciência mais ampla.

Mulier – Como vê no Nordeste, região de forte cultura patriarcal, especialmente em Fortaleza, de onde veio a história de Maria da Penha – que deu origem ao nome da lei – as relações existentes entre mulheres e homens?

Tião Simpatia - Realmente a região Nordeste historicamente tem altos índices de violência contra a mulher. Mas, com o advento da Lei Maria da Penha, já há uma mudança considerável na cultura patriarcal. O sujeito pensa duas vezes antes de levantar a mão para a companheira. Um dos fatores que contribui para tal violência é a renda das mulheres, ainda muito inferior a dos homens se comparado a outras regiões do Brasil como Sul e Sudeste. A falta de autonomia financeira faz com que muitas delas permaneçam na relação conflituosa.

Porém, há outros fatores intrínsecos na própria cultura: costumes que são repassados de pais ou mães para filhos, bem como a superexposição da mulher como um “produto a ser consumido” em diversos segmentos da nossa sociedade.

Repente ou cantorias é a designação do ato de cantar desafios, um tipo de disputa poética cantada

** A Embolada é um processo poético-musical. Tem como característica melodia mais ou menos declamatória, em valores rápidos e intervalos curtos; texto geralmente cômico, satírico ou descritivo, ou consistindo numa sucessão lúdica de palavras associadas pelo seu valor sonoro

Fonte

“Enciclopédia da Música Brasileira: popular, erudita e folclórica”. São Paulo: Art Editora: Publifolha, 1998.

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