Sandra Aliaga Bruch – jornalista boliviana e consultora em Comunicação, Gênero e Saúde Sexual e Reprodutiva

3 de março de 2013 Comente »
Sandra Aliaga Bruch – jornalista boliviana e consultora em Comunicação, Gênero e Saúde Sexual e Reprodutiva

Jornal Mulier – Abril de 2012, Nº 99

As mulheres estão conseguindo mudar o mundo, concordo ser esta a maior revolução que está havendo na história da humanidade

Mulier – Sandra, gostaríamos de saber um pouco mais sobre você, suas origens e formação?

Sandra – Nasci na Bolívia e, aos três anos, comecei a vagar pela América porque meu pai era consultor da Organização Mundial da Saúde. É assim que morei quatro anos nos Estados Unidos, três no Panamá, cinco no Brasil e dois no México antes de voltar à Bolívia para estudar Comunicação Social na Universidade Católica Boliviana.

Mulier – Quando e por que começou a se interessar pela temática da comunicação?

Sandra – Acho que desde sempre. A minha paixão por escrever vem desde bem nova. Tive uma professora de língua portuguesa na Escola Americana do Rio de Janeiro, quando tinha 13 anos, que teve uma influência definitiva. Ela era Teresa Pinto. Logo, quando morava no México, já acabando o colégio, conheci uma jornalista brasileira, Denise Plastina. Foi quando soube, então, que o caminho era o jornalismo. Essa decisão me levou a estudar na Faculdade de Comunicação Social e encontrei um mundo mais amplo que apenas o jornalismo, encontrei a comunicação como denominador comum de qualquer atividade na vida. Vivíamos, na época, em plena ditadura na Bolívia, a negação da comunicação. Lutei toda minha juventude universitária pela democracia e, até agora, pela comunicação.

Mulier – Você defende a consolidação da comunicação como direito humano e não só como liberdade de expressão. Poderia nos explicar essa ideia?

Sandra – A liberdade de expressão é apenas uma parte da comunicação como direito humano, pois o direito à liberdade de expressão de uma pessoa só pode ter sentido enquanto as outras pessoas possam exercer seu direito a compreender, a responder, a fechar o ciclo da comunicação. O direito à comunicação necessariamente envolve todos os atores e as atrizes do ato comunicativo e não somente aquela pessoa que, fazendo uso de seu direito à liberdade de expressão, diz alguma coisa.

Mulier – E a temática de gênero, o que a levou a pesquisar?

Sandra – Mais que pesquisar, levou-me a pensar e a viver de um jeito diferente. Fui criada como quase todas as pessoas da minha geração com os valores da sociedade patriarcal. Romper com aquilo em procura da liberdade que como pessoa precisava para ser feliz e completa foi como algo natural que precisava fazer, apesar de ser mulher. Essas atitudes me conduziram a tomar contato com feministas bolivianas que surgiram com o período de democracia na Bolívia no início dos anos 1980. Antes disso, todos e todas estávamos totalmente dedicados a lutar contra a Ditadura Militar. Uma vez que conseguimos a saída de Banzer do poder, (Hugo Banzer Suárez, general e presidente da Bolívia por duas vezes), pudemos pensar em conquistar a democracia em casa e em nossas próprias vidas. Pouco a pouco, a análise de gênero me ajudou a compreender em profundidade como o olhar de supremacia masculina interpretou interessadamente as diferenças entre homens e mulheres para construir uma sociedade com desigualdades intoleráveis em todos os âmbitos políticos, sociais, culturais, econômicos, sexuais. Havia que pesquisar para poder combater esta situação de injustiça.

Mulier – Como boliviana, de que forma analisa a realidade de conquistas e desafios das mulheres em seu país?

Sandra – Acho que a situação na Bolívia é muito parecida com outras realidades resultantes de sociedades patriarcais no mundo. Sinto que vamos avançando passo a passo. É um processo muito lento porque afeta a própria estrutura da sociedade, mas as mulheres estão cada dia melhor preparadas para conquistar a equidade em todos os âmbitos e os homens vão compreendendo que o mundo está em transição. Além disso, começaram a compreender como a sociedade patriarcal também lhes afeta de maneira radicalmente negativa como pessoas. Não basta que só as mulheres conquistem esta transformação. É indispensável que seja uma mudança social.

Mulier – Qual a situação das mulheres indígenas bolivianas nas últimas três décadas?

Sandra - Estamos vivendo hoje, na Bolívia, uma situação de conquista legítima dos povos indígenas por seus direitos humanos e sua inclusão na sociedade boliviana, no poder de decisão sobre o destino do país. Nesse contexto – ligado às conquistas das mulheres em geral – as mulheres indígenas estão avançando. Como nunca antes, a sua liderança nos movimentos sociais, nos órgãos de governo e na própria vida é visível. Algo impensável há três décadas. Entretanto, não quer dizer que tudo está feito, ainda tem que mudar muita coisa no plano geral da educação, na engenharia legal, laboral, na mentalidade social, na complexidade cultural tantos anos submetida, mas acho que já está na agenda nacional, e isso é um progresso notável.

Mulier – E na América Latina, você tem observado avanços ou retrocessos no que diz respeito a direitos femininos?

Sandra – Acho que é quase impossível retroceder mais do que as mulheres já estavam em relação à ausência de direitos, tanto daqueles já reconhecidos inclusive nos discursos e nas leis como nas condições para efetivamente exercer estes. Avanços muitos porque o mundo está mudando de fato, não só na literatura senão na própria vida. É só ver os números de participação política, de assistência escolar e universitária, de profissionais trabalhando. É questão também de analisar os níveis de saúde sexual e reprodutiva. As mulheres estão conseguindo mudar o mundo. Alguém diz por aí que esta é a maior revolução que está havendo na história da humanidade, e eu concordo. Agora, como é tão complexa, vai devagar. É um problema de poder, e o negócio do poder é fogo!

Mulier – Como analisa a representação feminina nos meios de comunicação em seu país? Há semelhança na forma de tratamento nos países do Cone Sul?

Sandra – Poderia até dizer que há mais mulheres trabalhando nos meios de comunicação na Bolívia que homens. Mas isso não quer dizer muito, já que não é um problema de ser mulher ou homem, é um problema do tratamento que se dá às notícias. Se a perspectiva continua sendo patriarcal, pouco importa se a noticia é dada por um ou uma jornalista. Se como meios de comunicação fôssemos capazes de retratar os acontecimentos desde uma perspectiva de gênero, então estaríamos em condições de garantir avanços. Isso ainda não acontece na Bolívia. As mensagens são machistas e patriarcais por demais no contexto geral porque respondem ao tecido social que ainda não estamos podendo transformar na sua totalidade.

Mulier – A maneira como a mulher é retratada na mídia tem relação com a violência de gênero?

Sandra – Sem dúvida. Inferiorizar as mulheres só pelo fato de ser mulheres é um ato de violência de gênero. Transmitir esta imagem contribui para reproduzir a violência como algo natural.

Mulier – O que tem a dizer sobre a visibilidade de outros grupos que sofrem marginalização, como indígenas e negros, nos meios de comunicação?

Sandra – Acho que responde em muitos meios de comunicação à mesma estrutura social que foi construída sobre a base da supremacia de homens brancos, heterossexuais, com poder econômico, católicos que inventaram o racismo, a homofobia, a pobreza como cruciais para garantir o seu poder. Os grandes meios de comunicação historicamente reproduziram esta estrutura porque respondiam aos interesses desse núcleo social. Com os passos dados na democratização da comunicação, temos hoje outras possibilidades, mas basta ver a estrutura de propriedade dos grandes meios de comunicação a nível mundial para compreender porque eles atuam como atuam.

Mulier – A Bolívia tem um presidente indígena, Evo Morales. Os meios de comunicação têm uma forma diferenciada de tratá-lo por isso?

Sandra - Não podemos falar dos meios de comunicação como se todos eles fossem a mesma coisa.  Acho que é necessário distinguir aqueles que são conservadores, cujos proprietários estão lutando por impedir as transformações a todo nível na Bolívia porque não são convenientes aos seus interesses de grupo. Esses têm uma forma diferenciada de tratá-lo por esse fato, ressaltando os aspetos negativos, escondendo os positivos e fazendo um jornalismo com ausência de ética e profissionalismo.

Mulier – No momento, você está envolvida em algum projeto específico? Qual?

Sandra – No momento, estou desfrutando um ano sabático depois de ter trabalhado ao redor de 35 anos sem muito descanso. Porém, não deixei de participar nos conselhos editorias de revistas científicas de comunicação como o “Journal of Latin American Communication Research” e “Punto Cero” (da Universidade Católica Boliviana San Pablo).  Fora isso, continuo com atividades no Conselho Nacional de Ética Jornalística, como representante da Associação Boliviana de Investigadores em Comunicação, e faço algumas consultorias curtas sobre gênero, advocacy e comunicação.

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