Machismo atrapalha mulheres na política

5 de maio de 2016 1 Comentário »
Machismo atrapalha mulheres na política

Voltando a escrever neste site, o assunto do texto não poderia ser outro: política, mas sob uma perspectiva de gênero. O machismo na política, assim como em outras áreas, é escamoteado, da mesma forma que o racismo. Sobe o som e o tom quando mulheres, e negras(os) no caso do racismo tornam-se protagonistas.

Durante os anos do governo Dilma Rousseff, foram crescentes os comentários infelizes sobre a mandatária (e ela mesma teve que mudar o visual para ser candidata, pois a imagem na “era da política midiática” é fundamental). Das roupas ao cabelo, nada passa despercebido, igualmente das ministras de seu governo, muitas no primeiro mandato, e nunca tantas antes em nossa história. Recentemente, quando houve grande expectativa da presidenta denunciar um golpe na ONU, o site BOL noticiava: “Os looks repetidos da presidente Dilma Rousseff”, em referência ao fato dela ter usado a mesma roupa no mesmo evento do ano passado em Nova Iorque.

Agora, com toda a crise política, os comentários jocosos repetição de roupas, falta de marido passaram a ofensivos, com xingamentos, apologia à violência sexual e ofensa moral, tendo a revista “Isto É” extrapolado ao sugerir que Dilma não tem mais condições emocionais de governar, com crises nervosas, etc. Causou rebuliço nas redes sociais e twitaço #IstoÉmachismo. (O que seria de nós sem as múltiplas redes sociais neste momento?).

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Machismo nos países vizinhos

O enredo é conhecido na América do Sul, onde até há pouco tínhamos três mulheres presidentas: Dilma Rousseff no Brasil, Cristina Kirchner na Argentina e Michelle Bachelet no Chile. Esta última teve sua história de dificuldade política contada no livro “Bachelet en tierra de hombres”. A autora, a jornalista e analista política chilena Patrícia Politzer, afirma que Bachelet viveu muitas dicotomias por ser mulher no poder.

Trabalhar muito e pedir o mesmo dos colaboradores era sinônimo de “viciada em trabalho”, não de eficiência, rigorosidade e compromisso, mas de mal trato. Falar de forma direta e com franqueza não significava transparência e dom de mando, e sim de soberba e conflitividade. Em muitos casos, sua flexibilidade em mudar de opinião frente a bons argumentos não era vista como inteligência ou sabedoria. Ao contrário, significava debilidade, inconsistência e obsessão por compartilhar informações. Foram inúmeras as críticas de falta de liderança da mandatária. Em resposta, Bachelet criticou o machismo arraigado na sociedade chilena. Afirmou que estava perfeitamente capacitada para tomar decisões, não precisando, para isso, gritar, grunhir ou fazer retórica.

É o dilema enfrentado por todas as mulheres que entram ou desejam participar da política partidária e eleitoral: as distinções de gênero, divisões históricas e culturais de espaços públicos – reservados aos homens – e domésticos – reservados às mulheres. Se as mulheres atuam como homens, correm o risco de perder os atributos de feminilidade esperados delas. Se agem como mulheres, parecem incapazes e inadaptadas. Isso porque cargos de poder, espaços masculinos desde há muito, exigem atributos socialmente associados ao mundo masculino: segurança, autoridade, agressividade. Uma equação difícil ao se analisar que as mulheres podem usar como argumento o fato de ser mulheres para trazer algo de novo e melhor a política.

Não é à toa que o parlamento brasileiro tem tão poucas mulheres, 10% de deputadas federais e 16% de senadoras. A média mundial também é baixa, 22% nas Câmaras e Senados. No último dia 17/04, durante a votação do impeachment, brasileiras e brasileiros puderam ver ao vivo como deve ser difícil conviver em ambiente tão hostil. As deputadas mal puderam falar, declarar o seu voto, simplesmente não a deixavam terminar o raciocínio.

Falta de estímulo

Diante desses acontecimentos, a revista “Veja” rasga elogios à possível futura primeira dama do país: Marcela Temer, sob o título “Bela, recatada e do lar”. Da mesma forma fez a revista argentina “Notícia” sobre a nova primeira dama do país vizinho, Juliana Awada, com o título “A volta da mulher decorativa”, que “Deixou tudo para acompanhar Macri. Representa o estereótipo da esposa tradicional, discreta e a serviço do lar”.

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Embora as referidas primeiras-damas não sejam mulheres que escolheram a política – e não existe problema nenhum nisso – tais matérias juntamente com notícias que desqualificam as mulheres que optaram pela vida político-partidária em nada contribuem para empoderar as mulheres na sociedade e construir uma sociedade mais igualitária e democrática.

Como afirma a ONU Mulheres, o aumento da representação feminina em Parlamentos de todo o mundo coincide com reformas legais para ampliar os direitos das mulheres e de acesso à justiça. Ou seja, as mulheres tendem a ser as melhores representantes das próprias mulheres.

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1 Comentário

  1. Constancia maio 7, 2016 at 2:55 - Reply

    Otima reflexão. Oportuna e muito pertinente.

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