Hilda Trujillo, diretora do Museu Frida Kahlo e Diego Rivera-Anahuacalli no México

3 de março de 2015 Comente »
Hilda Trujillo, diretora do Museu Frida Kahlo e Diego Rivera-Anahuacalli no México

Jornal Mulier – Março de 2013, Nº 110

Segundo Hilda Trujillo, não é possível conhecer verdadeiramente a vida ou a obra de Frida sem conhecer sua casa, hoje Museu Frida Kahlo

Mulier – Sempre pedimos às nossas entrevistadas e aos nossos entrevistados que contem um pouco sobre si mesmas(os), sua origem, formação profissional…

Hilda Trujillo – Estudei Ciências Políticas e tenho sido promotora cultural por toda a minha vida. Fui diretora de Cultura da Delegação Coyoacán, uma das mais importantes em matéria de promoção de arte no México. A partir daí conheci os diretores de museus e me convidaram para trabalhar como diretora do Museu Frida Kahlo e o Museu Diego Rivera-Anahuacalli.

Mulier – Você é atualmente diretora da Casa Azul Museu Frida Kahlo, no México. Onde está localizada, quando e por que a instituição foi criada?

Hilda Trujillo – O museu foi criado em 1958, porque Frida morreu em 1954, e Diego, em 1957. Ele deixou Dolores Olmedo, mecenas e amiga, encarregada como diretora dos museus Anahuacalli e Frida Kahlo, para que abrisse os espaços ao público. Depois da morte de Diego, foi aberto o Museu Frida Kahlo, como era desejo de ambos os artistas, cujo objetivo era compartilhar seus bens com o povo do México. Não deixaram essa tarefa para o governo, por não confiarem no mesmo, mas a um responsável não governamental registrado no Banco de México. O Museu Frida Kahlo está localizado na rua Londres, número 247, Colônia Del Carmen Coyoacán, ao sul da Cidade do México.

Mulier – Quais as principais atrações do acervo permanente?

Hilda Trujillo – A casa é um mundo íntimo de Frida Kahlo. Muitos dos objetos estão representados em sua obra, porque a casa, a obra e a própria Frida sempre estiveram ligadas profundamente. Ainda que se conheça a obra de Frida, não conhecer sua casa e ver os detalhes da mesma em cada canto pode-se assegurar que não se conhece verdadeiramente sua vida ou sua obra. Nos detalhes, é possível entender a obra e a artista. Há obras fundamentais na coleção permanente, como “Viva a vida”, “Natureza morta”, “Rerato de meu pai Wilhelm Kahlo”, assim como a cama onde pintava ou a coleção de mariposas presenteada pelo escultor norte-americano Isamu Noguchi. Nada do acervo pode sair da casa, porque assim deixou dito Diego Rivera.

Mulier – Há exposições temporárias? Poderia citar exemplos?

Hilda Trujillo – A partir da abertura dos arquivos e classificação do acervo de milhares de documentos, vestuário, objetos, obras de outros artistas, busca-se alugar um espaço anexo ao museu para fazer exposições temporárias. Temos tido várias exposições nos últimos anos, como a atual “As aparências enganam: os vestidos de Frida Kahlo”, que apresenta algumas das indumentárias e objetos pessoais de Frida; e “Tesouros da Casa Azul”, com uma seleção dos objetos e documentos encontrados. O acervo é tão grande que seria possível fazer várias exposições temporárias.

Mulier – Vocês desenvolvem atividades com a comunidade, quais?

Hilda Trujillo – Temos tido alguns concertos e tratamos de ter atividades regularmente para envolver a população. Temos um programa especial de visitas para escolas com poucos recursos, para trazer ao museu a comunidade com problemas sociais. É uma tema que devemos fortalecer, aproximar a comunidade vizinha e outras comunidades específicas, é um desafio para os próximos anos.

Mulier – Frida foi importante para divulgar a cultura mexicana ao mundo por meio de sua arte e estilo de vida?

Hilda Trujillo – Não foi, porque não tinha tanta importância. Ela era considerada importante para alguns nichos intelectuais, mas foi o filme de Salma Hayek que conferiu a Frida a importância hoje adquirida. Atualmente não se pode entender as pessoas visitarem o México sem vir ver a Frida. Ela se converteu em um ícone depois disso.

Mulier – Como as mexicanas e os mexicanos identificam Frida Kahlo na história e na cultura do país?

Hilda Trujillo – Não somente os mexicanos, mas os estrangeiros a identificam com a cultura mexicana, porque Frida, como personagem, e sua casa são uma síntese da cultura do México. As cores, a arte popular, a arte pré-hispânica se apresentam em sua casa. Além disso, no México do século XIX, queria-se imitar o europeu, existia um desprezo pela cultura pré-hispânica e popular, mas, durante a Revolução Mexicana, quando surgem artistas como Diego Rivera, David Alfaro Siqueiros e outros como Manuel Rodríguez Lozano e Dr. Atl, proclamava-se o mexicano. Também Frida e uma corrente de artistas voltaram seus olhos para as culturas originais, utilizando-as em sua própria obra, sintetizavam a cultura popular, pré-hispânica e milenar, assim fazem uma cultura moderna.

Mulier – Frida pintou sua condição feminina em várias de suas obras, principalmente o sofrimento pelos problemas de saúde adquiridos pela poliomielite quando criança e do acidente de trânsito quando adolescente. Também ficou conhecido o sofrimento da artista com as decepções amorosas com o marido, Diego Rivera. Na opinião de vocês, tais questões referentes à vida pessoal da artista podem ter interferido na importância dada a sua obra? De que forma?

Hilda Trujillo – A obra de Frida é reconhecida e é única por ser justamente muito pessoal. Quem imaginaria que nessa época alguém se pintaria tendo um aborto ou desenharia uma pessoa cometendo suicídio? O que hoje se vê de Frida em sua obra é a originalidade, a expressão sem artifícios de seus sentimentos ou sofrimento, a expressão pessoal dos sentimentos. Isso, em sociedades tão conservadoras como a da época, e ainda hoje, é uma proposta ousada, mas sincera. A maneira como pintou esses temas, o acidente, as paixões, os enganos, os problemas físicos, a faz original entre os pintores, é o que a faz ser apreciada. O público reconhece essa originalidade e esse valor para expressar os sentimentos.

Mulier – Frida Kahlo é considerada um exemplo para o movimento feminista. Por que isso? Ela era uma feminista, uma mulher à frente de seu tempo?

Hilda Trujillo – Era uma mulher sem ataduras sociais, livre, aberta, desfrutava enormemente da vida, uma mulher que lia, inteligente, com tais características reconheciam-na como à frente de seu tempo. Mas, eu não veria desse modo. Não creio que isso pode dizer ser ela à frente de seu tempo, mas que, com tais características, ela fez-se única ao seu tempo. Se hoje há mulheres defendendo sua personalidade, cultas e inteligentes, são únicas também. Era uma mulher feminina, não feminista. Amava os homens e as mulheres por igual, os respeitava, era feminina, mas não a considero como uma feminista, apesar do movimento feminista a tomar como bandeira nos anos de 1970, é uma atribuição dada a Frida posteriormente.

 

Sobre Frida Kahlo

Frida Kahlo nasceu na Cidade do México em 6 de julho de 1907. Aos seis anos, uma poliomielite a deixou com sérios problemas de sáude, como uma deficiência na perna. Aos 18 anos, outro momento trágico na vida dela foi um grave acidente ocorrido em um ônibus onde se encontrava. Além de fraturas, uma lesão na espinha dorsal limitou ainda mais seus movimentos e a impossibilitou engravidar. Ao precisar ficar meses em repouso, começou a pintar e conheceu vários artistas como a fotógrafa Tina Modotti e o muralista Diego Rivera, com quem se casou em 1929.

Apesar das limitações por sua saúde e muitos problemas no casamento com Diego Rivera, de traições de ambos, Frida teve uma intensa produção artística. Era uma importante representante da Escola Nacional de Pintura e Escultura Esmeralda, onde surgiu um grupo de jovens pintores conhecidos como Os Fridos.

A pintora preocupou-se em sua obra com o resgate das raízes da arte popular mexicana, onde, para ela, encontrava-se a identidade nacional mexicana. Sua obra tem natureza viva e temas nacionalistas, além de autorretratos, cuja sua própria condição de mulher era desenhada.

frida

Identificada como uma pintora surrealista, Frida rejeitava esta denominação. Dizia não pintar sonhos, mas sua realidade, não desconhecida de ninguém como muito sofrida. Em vida, suas obras foram expostas em três exposições, em Nova Iorque (1938), em Paris (1939) e na Cidade do México (1940). Hoje suas obras encontram-se espalhadas pelo mundo, na Europa, nos Estados Unidos e no México, em importantes museus e coleções particulares.

A arte de Frida Kahlo possibilitou um contato com importantes artistas e intelectuais, como Pablo Picasso, André Bretón, Pablo Neruda e León Trotsky. A casa dela, hoje um museu, recebeu escritores, artistas, diretores de cinema, médicos, políticos e fotógrafos. Além da arte, Frida também foi uma destacada ativista de esquerda, fazendo parte do Partido Comunista. A artista morreu em 1954, aos 47 anos, devido a uma embobilia pulmonar.

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