Marisa Sanabria – psicóloga, mestre em Filosofia e especialista no tema da mulher

14 de março de 2015 Comente »
Marisa Sanabria – psicóloga, mestre em Filosofia e especialista no tema da mulher

Jornal Mulier – Agosto de 2013, Nº 115

O mundo contemporâneo traz muitas contradições para as mulheres, afirma Marisa Sanabria

Mulier – Marisa, por favor, conte-nos um pouco sobre suas origens e formação. 

Marisa - Nasci em Montevidéu e pertenço à geração do “Baby Boom”, ou seja, as mulheres que conheceram a pílula, descobriram o corpo, o movimento hippie e tantas outras novidades que balançaram as certezas de casamento, vida estável, etc. Naquela época, Montevidéu era a Suíça da América, um país pacífico (como até hoje) com um excelente nível de educação que tive o privilégio de conhecer. Formei-me em Psicologia na que hoje é a Universidade Católica de Montevidéu. Eram os anos 1970, e a ditadura militar tinha fechado muitas universidades – é importante esclarecer que não existem universidades católicas em Uruguai, porque o ensino é laico, e a atual universidade foi uma saída possível à dificuldade enfrentada pelo país naquele momento. Cheguei ao Brasil em 1977, já formada psicóloga e professora de Psicologia. No começo, vivi em Santa Catarina e, depois, vim para Minas Gerais, onde vivo até hoje e fiz o mestrado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Mulier – Qual o percentual de atendimento em relação a gênero (mais homens ou mais mulheres) e faixa etária no seu consultório?

Marisa - Fui psicanalista durante muitos anos e tinha muitos pacientes homens, nessa época já trabalhava questões de gênero, mas não de forma tão sistemática e consistente. A partir do ano 2000, a pauta “mulher” se tornou muito decisiva na minha trajetória profissional e, em 2003, comecei a publicar sobre o tema. Hoje meu consultório tem muitas mulheres, realizo atendimento clínico, cursos e oficinas, mas nunca deixei de atender pacientes homens, que, aliás, acho fundamental para entender a dinâmica feminino-masculino, aprendo muito com meus pacientes homens e acredito que eles se sentem confortáveis com meu trabalho.

Mulier – Quais os principais motivos que têm levado as mulheres aos consultórios de Psicologia atualmente?

Marisa - O mundo contemporâneo traz muitas contradições para as mulheres, querer ser livres e desejar família convencional, querer ter filhos e programar vida profissional intensa e dinâmica, envelhecer na sociedade do culto ao corpo e à juventude, enfim as problemáticas são diferentes nos diversos momentos atravessados pelas mulheres. Mas eu tenho sentido as mulheres em alguns momentos desiludidas, desencantadas e, em alguns momentos, sarcásticas. Isso é um pouco preocupante e inquietante porque fala de um mal-estar que não é somente das mulheres senão de todos nós como coletivo. Por outro lado, alguns movimentos reagem a esse desconforto, as mulheres que se reúnem com atitudes solidárias, educativas. Tenho um grupo chamado “confraria da agulha”, no qual nos reunimos para bordar, contar contos, ler algum artigo de atualidade e entender a possibilidade de costurar e simbolizar o mundo interno. Tem sido uma experiência de muita alegria e satisfação, e percebo que é um momento de intensa reflexão, troca e vivência terapêutica.

Mulier – A maior inserção feminina no mercado de trabalho e as responsabilidades familiares estão sendo equacionadas de forma satisfatória? Como vê esta realidade?

Marisa - Estou trabalhando e tenho publicado sobre o tema da humanização do tempo, os desafios do mundo público e privado, as diversas jornadas de trabalho e o preço de conciliar duas dinâmicas como uma conta que as mulheres pagam sozinhas com sua saúde, sua exaustão e instabilidade emocional. Desprezamos o mundo privado e consideramos como importante somente o mundo da produção e do dinheiro, em algum momento muito em breve vamos ter que analisar com muita atenção a forma como estruturamos nossas relações de afeto, nossa inversão de valores e o menos preço com que tratamos a “ética do respeito e do cuidado”. As mulheres precisam de um tempo para si, e isso é tratado como artigo supérfluo. A trama da vida é feminina, e ela se sustenta no tecido da solidariedade e do bem comum, a estrutura patriarcal nos fez esquecer dessa consigna decisiva.

Mulier – O conceito de família vem mudando ao longo dos anos. Como as mulheres estão convivendo com isso, a exemplo de famílias monoparentais, famílias reconstituídas com filhos de outros casamentos e de parceiros?

Marisa - Estamos nos transformando em uma sociedade de chefas de família, mulheres sozinhas que cuidam de seus filhos e se fazem cargo de sustento da prole, não que seja bom nem ruim, é um fato, mas que me parece merecer nossa atenção no sentido de uma evidente divisão desigual de responsabilidades, nem o masculino, nem o Estado, nem as instituições dão suporte a essa mulher “sozinha”, tratamos isso com naturalidade, mas é importante entender que criar, educar construir é uma tarefa coletiva e convoca a responsabilidade de todos e de diversas instâncias.

Mulier – E em relação às famílias homossexuais que recorrem à adoção e inseminação artificial?

Marisa - Estava na Espanha há alguns anos quando a discussão era sobre um casal homoafetivo que se dispunha a adotar uma criança africana, as opções eram a criança morrer como soldado mirim nas guerrilhas tribais ou poder ser educado em uma boa universidade Europeia. Precisamos entender que família é uma estrutura de acolhimento afetivo referência de educação e possibilidade de futuro independentemente de por quem os papéis sejam exercitados.

Mulier – Como analisa a satisfação amorosa e sexual das brasileiras em tempos de conquistas femininas? 

Marisa - Eu acho que temos que ser um pouco cautelosos em relação à “satisfação”, porque não é exatamente isso o que se escuta das mulheres, existe uma reivindicação constante de vazio, solidão, distanciamento, enfim não me parece que o mundo dos afetos seja para nós na modernidade uma fonte pacífica de bem-estar. Sem dúvida, temos mais conhecimento do nosso corpo e vivemos uma sexualidade com liberdades antes nem pensadas pelas nossas avós, mas é importante significar essas liberdades, porque senão podemos ficar reféns de atitudes que nos custou tão caro conquistar.

Mulier – E os homens, eles estão em sintonia com esta “nova mulher”?

Marisa - Eu tenho sentido os homens mais abertos e mais disponíveis do que pode parecer. Na “mídia”, nós escutamos muitos homens dando uma força para parceiras, amigas, colegas de trabalho. É evidente que sempre existiram aqueles um pouco confusos, mas as transformações são para todos, e, quando falamos de conquistas femininas, não falamos de coisas para as mulheres senão uma possibilidade de re-pensar a existência para homens e mulheres.

Mulier – As mulheres jovens, filhas, elas se diferenciam de suas mães sobre um ideal de relacionamento?

Marisa - Acredito que a grande diferença hoje seja que as mulheres jovens podem escolher, e suas mães não escolheram, por isso a lucidez de consciência e a responsabilidade me parecem ser fundamentais.

Mulier – E as mulheres de meia idade e idosas, como estão encarando esta nova fase de suas vidas numa sociedade onde ainda tanto se valoriza a juventude e o medo do envelhecimento, essencialmente um fenômeno feminino?

Marisa - O envelhecimento é feminino. Na sociedade, os homens amadurecem, já as mulheres envelhecem, acho ser esta uma forma clara de discriminação. A mulher no envelhecimento perde sua capacidade de sexualidade reprodutiva, algo fundamental na nossa sociedade de troca preço e valor para tudo. Por outro lado, vemos uma geração de mulheres com certa independência econômica e possibilidade de escolher como querem envelhecer sem precisar se submeter aos modelos de mídia de mulheres sem idade. O entendimento da idade como uma conquista pode nos tirar do pavor de entender as marcas da idade como algo que precisamos esconder. Envelhecer com saúde e plenitude é, sem dúvida, uma atitude mais libertadora que as mulheres podem escolher.

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