Tráfico de pessoas para fins sexuais envolve relações desiguais de gênero e complacência feminina

17 de abril de 2018 2 Comentários »
Tráfico de pessoas para fins sexuais envolve relações desiguais de gênero e complacência feminina

O tráfico de pessoas para exploração sexual, trabalho escravo, remoção de órgãos, entre outros já é assunto rotineiro, assim como a espetacularização do drama vivenciado pelas pessoas traficadas.

Mas, uma notícia lida recentemente em um jornal de circulação nacional chamou a atenção sobre o assunto. Segundo a Agência Nacional de Combate ao Tráfico de Pessoas, na Nigéria 40% dos traficantes condenados são mulheres. A maioria senhoras que também foram escravas sexuais no passado.

Isso faz pensar como são pouco analisadas as causas estruturais que levam as pessoas, traficadas e agenciadores, a se envolverem com tal ilicitude, degradante para a condição humana.

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Para começo de conversa, sob uma perspectiva de gênero, é importante lembrar que as mulheres são a maioria entre as(os) traficados, geralmente para fins de exploração sexual forçada. E por quê? Porque estão entre os mais pobres, sob os maiores índices de desemprego, sustentam suas famílias sozinhas, abandonadas pelos companheiros, estão sobrecarregadas com os cuidados de casa, filhos e pais idosos, sofrem violência doméstica e do sistema e são pouco representadas politicamente.

É uma situação explosiva, que leva muitas mulheres a aceitarem se deslocar para outras regiões ou países com promessas de uma vida melhor. Muitas sabem que vão se prostituir, e sem querer fazer juízo de valor, se essa é uma decisão delas, não há problema, são livres para escolher, afinal prostituição no Brasil e em muitos países não é crime. Dessa forma, não são vítimas, pois costumam saber os riscos e têm livre escolha.

Crime é ser submetida a condições degradantes nesse trabalho, a exemplo de jornada exaustiva, cobrança abusiva de despesas com passagens, alimentação, moradia, retenção de documento, cerceamento de liberdade e violência física e psicológica. Assim passam a condição de pessoas traficadas.

No entanto, a lógica mais cruel disso é saber que, ao contrário do que mostra Hollywood, tais mulheres não são, na maior parte dos casos, agenciadas por máfias internacionais de traficantes, e sim por redes informais de contatos, a exemplo de parentes, conhecidos e agenciadores, muitas igualmente mulheres.

Como afirma Pierre Bourdieu, sob uma sociedade de dominação masculina e violência simbólica, as próprias mulheres aplicam esquemas dessa referida dominação particularmente em relações de poder em que se veem envolvidas, segundo uma ordem simbólica de que as mulheres são objetos e inferiores.

A desumanidade de tratar mulheres para venda, troca e escravização sexual chega a tal ponto que mulheres conhecedoras desse ciclo de violência reproduzem como exploradoras o mesmo ciclo de violência com outras mulheres. É a violência de gênero que desumaniza a consciência de gênero.

É permitida a reprodução de conteúdo do site para fins não comerciais, desde que citada a fonte: Jornal Mulier – www.jornalmulier.com.br.

2 Comentários

  1. Constancia Lima Duarte abril 20, 2018 at 22:12 - Reply

    Excelente matéria. E o tema é dos mais pertinentes e necessários nesse tempo que vivemos.

  2. Maria Aparecida de O. Corrêa abril 23, 2018 at 17:08 - Reply

    Ótimo texto.Bem objetivo e pertinente, sobre um tema que nos indigna a todos.
    Infelizmente ainda bem frequente em nossa sociedade .

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