Toni Reis – Associação Brasileira Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT)

3 de março de 2013 Comente »
Toni Reis – Associação Brasileira Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT)

Jornal Mulier – Setembro de 2010, Nº 80

Segundo Toni Reis, houve muitos avanços e poucos retrocessos em relação a direitos da população LGBT no Brasil nos últimos anos

Mulier – Você é presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT). Pode contar um pouco de sua formação e trajetória profissional?

Toni Reis – Eu nasci em Coronel Vivida, em 1964, fui criado em Pato Branco e depois em Quedas do Iguaçu, no interior do Paraná. Morei em Quedas do Iguaçu até meus 18 anos. Tive uma criação bastante humilde, mas sempre tive a oportunidade de estudar. Mudei-me para a capital e me formei em Letras pela Universidade Federal do Paraná em 1989. Enquanto ainda estudante, fui presidente da Casa do Estudante Universitário em Curitiba e participava ativamente do movimento estudantil. De 1989 a 1991, morei na Espanha, na Itália e na Inglaterra, onde tive tudo quanto “subemprego” imaginável, mas também foi uma experiência muito enriquecedora e uma época em que aprendi muito sobre o movimento LGBT organizado, o que serviu de inspiração e incentivo para mim. De volta ao Brasil, já em 1992, ajudei a fundar o Grupo Dignidade em Curitiba e, em 1995, fui um dos articuladores da criação da ABGLT e seu primeiro presidente entre 1995 e 1999. Fiz especialização em Sexualidade Humana e também em dinâmica dos grupos, sou mestre em Filosofia na área de Ética e Sexualidade e atualmente estou concluindo o doutorado em Educação. Fui eleito presidente da ABGLT novamente no final de 2006 e estou no segundo mandato desta atual gestão*.

Mulier – Quais os principais trabalhos desenvolvidos pela ABGLT?

Toni Reis – A principal atuação da ABGLT diz respeito ao monitoramento da implementação das decisões da I Conferência Nacional LGBT, através do Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos de LGBT, inclusive na garantia de orçamento para sua implementação. Outra importante frente de atuação está sendo realizada através do projeto “Escola Sem Homofobia”, que por meio de parcerias está trabalhando para colaborar com a definição de políticas públicas e com a elaboração de materiais didáticos específicos para uso na sala de aula. Temos atuando em parceria com a Articulação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) numa campanha de promoção do uso do nome social de travestis e transexuais na sala de aula, que já foi aprovado em 13 estados. Desde a fundação da ABGLT, temos atuado na luta contra a AIDS. E também temos atuado para capacitar lideranças lésbicas em direitos humanos e advocacy**, entre outras ações.

Mulier – O Brasil é um dos países campeões em crimes de homofobia no mundo. Poderia citar alguns dados sobre isso e as causas?

Toni Reis – O exemplo mais marcante é o assassinato corriqueiro de pessoas LGBT no Brasil. Não existem estatísticas governamentais, mas, desde 1980, o Grupo Gay da Bahia (GGB) monitora os assassinatos através de reportagens nos meios de comunicação e através de informações prestadas pelos grupos locais. Entre 1980 e 2009, o GGB registrou 3.196 assassinatos, muitos praticados com extremos de crueldade, múltiplas facadas, esquartejamento, etc. Atualmente a média registrada pelo GGB é em torno de 200 casos por ano ou uma pessoa LGBT assassinada no Brasil a cada dois dias. Uma das principais razões por este quadro é a impunidade. A maioria dos casos não vem a ser esclarecida.  Com relação ao assassinato de gays, muitos casos envolvem “latrocínio” por supostos garotos de programa, que depois de fazer sexo com o cliente, normalmente na residência do mesmo, matam e roubam artigos de valor. As causas incluem a história e a cultura que herdamos. Em nossa cultura machista, a homossexualidade foi vista primeiro como pecado, depois como crime e em seguida como doença. Foi somente em 1990 que a Assembleia Mundial da Saúde, órgão máximo da Organização Mundial da Saúde (OMS), retirou a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças. Então, é relativamente recente a aceitação da homossexualidade pela Medicina como apenas mais uma manifestação das diversas expressões da sexualidade humana, e será um processo demorado até que isso se assimile na sociedade e haja menos homofobia em nosso país.

Mulier – Entre o segmento de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, qual grupo mais sofre com violência e preconceito?

Toni Reis – Sem dúvida são as travestis e transexuais que mais sofrem violência e preconceito, porque são mais visíveis e, de certa forma, mais contestam as normas predominantes.

Mulier – Como paradas do Orgulho Gay, a I Marcha Nacional contra a Homofobia, Miss Gay, a criação de associações LGBT, congressos e seminários estão influenciando a população a respeitar a diversidade sexual?

Toni Reis - Como dizia Marx, “oprimidos, organizai-vos”. Ou seja, toda forma de organização contribui para fortalecer os esforços da comunidade LGBT para superar o preconceito e a discriminação e promover o respeito à diversidade sexual. Quanto mais visível a população LGBT se tornar, e quanto mais se organizar para reivindicar seus direitos, maior será a influência que exercerá sobre as mudanças sociais rumo a uma sociedade mais inclusiva e de respeito às diferenças.

Mulier – Como avalia avanços e retrocessos em relação a direitos da população LGBT no Brasil nos anos 1990 e 2000?

Toni Reis - Avalio que houve muitos avanços e poucos retrocessos. No início dos anos 1990, existiam poucos grupos LGBT organizados, não havia paradas LGBT, não existiam políticas públicas para LGBT no Brasil. Hoje há mais de 300 grupos, mais de 200 paradas, tivemos a I Conferência Nacional LGBT, convocada e aberta pelo presidente Lula, e temos o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e dos Direitos Humanos de LGBT, que já está em vias de implementação. Vejo que o principal retrocesso é o fundamentalismo religioso e a influência que vem a exercer no Legislativo, sistematicamente barrando proposições que visam a promover a igualdade de direitos da população LGBT.

Mulier – A ABGLT tem afirmado que o Poder Judiciário tem sido mais progressista que o Legislativo em relação a direitos conquistados. Pode citar alguns casos em especial?

Toni Reis – Felizmente, ao contrário do Legislativo, o Judiciário tem sido um aliado nas suas decisões sobre casos envolvendo LGBT, fazendo valer os preceitos constitucionais da não discriminação, da igualdade e da dignidade humana. São mais de 700 casos de jurisprudência envolvendo adoção, direito de guarda e visita, condição de dependente, união estável, sucessão, pensão por morte, planos de saúde, visto de permanência, entre outros.

Mulier – A ABGLT lançou campanha nacional para as Eleições 2010 “Voto contra a Homofobia, Defendo a Cidadania”. Como está o andamento da campanha? Poderia citar alguns compromissos que candidatas e candidatos devem assumir ao aderir à Campanha?

Toni Reis – A campanha está indo bem. Até 3 de setembro, havia 134 candidatos e candidatas aderidos. No Legislativo, os principais compromissos envolvem a atuação para promover a cidadania e a igualdade dos direitos humanos da população LGBT, como, por exemplo, legislação de proibição e punição da discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, reconhecimento do uso do nome social de travestis e transexuais pelos órgãos da administração pública e a garantia do Estado Laico. No Executivo, tem um tripé no nível federal e estadual de governo: a implementação de Planos de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT; a instituição na estrutura do Executivo de Coordenadorias da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT; e a criação de Conselhos da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT, com representação da sociedade civil.

Mulier – Recentemente vocês lançaram o “Manual de Comunicação LGBT” dirigido a comunicadores sociais. Gostaria que falasse um pouco do manual e como os meios de comunicação reproduzem valores e ideias. Acha que os meios de comunicação reproduzem a intolerância?

Toni Reis - O “Manual de Comunicação LGBT” foi elaborado pensando em promover o respeito à diversidade sexual pelos meios de comunicação social, por meio do esclarecimento de alguns conceitos e apresentação de fatos a respeito da população LGBT. Seria uma ferramenta prática para comunicadores. Foi uma tarefa feita a muitas mãos, e houve muitas versões e discussões até chegar à versão que foi publicada. Ainda assim, estamos abertos para receber sugestões e críticas construtivas para aprimorá-lo. No nosso caso, de modo geral, os meios de comunicação têm avançado bastante e têm sido aliados importantes na promoção da desmistificação das vivências LGBT. Exemplos disso são as novelas que têm tratado da temática de forma séria nos últimos 10 a 15 anos. Nosso problema maior são alguns programas humorísticos que reproduzem estereótipos negativos e perpetuam a intolerância e o escracho. Ainda mais preocupante é o uso dos meios de comunicação por religiosos fundamentalistas que, apesar de estar com concessões públicas, pregam o ódio e a intolerância à população LGBT em seus programas, quando não afirmam que é possível “curar” a homossexualidade, apesar da mesma não ser doença.

Mulier – Como vê a educação para a diversidade na Escola e o papel dos professores?

Toni Reis – Vejo que a educação para a diversidade na escola é fundamental para uma convivência mais harmônica e de paz entre as gerações futuras. A diversidade é muito ampla e diz respeito não apenas à sexualidade, mas a questões de gênero, raça e etnia, deficiência, arranjos familiares, desigualdades socioeconômicas e assim por diante. É preciso educar para se perceber que não existe um único padrão de ser e de viver, e que a diversidade há de ser respeitada em todas suas facetas. Vejo que esta é uma tarefa bastante onerosa para os professores. Por um lado, poderão encontrar resistência de setores mais conservadores ao tentarem educar para a diversidade, como se estivessem fazendo uma apologia para determinadas questões. Por outro, veja que precisam de apoio com essa tarefa, em sua formação inicial e por meio da formação continuada.

Mulier – Como o movimento feminista está inserido na luta da ABGLT?

Toni Reis – A ABGLT tem estreitado laços com o movimento feminista. Temos sido convidados para vários eventos e temos apoiado as bandeiras das mulheres, principalmente a questão da autonomia do corpo, contra a violência doméstica e pela linguagem inclusiva. Também temos recebido muito apoio do movimento feminista em nossas reivindicações. Atuamos em conjunto nas Conferências Nacionais de Direitos Humanos e Educação.

* Toni Reis atualmente ocupa a Secretaria de Educação da ABGLT.

** Advocacy, segundo o “Manual de Comunicação LGBT”, significa “argumentar em defesa de uma causa ou alguém”. No movimento LGBT, consiste em uma estratégia de ação para a conquista de direitos e desenvolvimento de políticas públicas em diversas áreas relacionadas às temáticas LGBT, como união estável e leis de combate à homofobia.

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