Tensões entre trabalho e família afetam a produtividade e o bem-estar das trabalhadoras

2 de março de 2013 Comente »
Tensões entre trabalho e família afetam a produtividade e o bem-estar das trabalhadoras

Foto: Pedro Correa do Lago. Caricaturistas Brasileiros. Rio de Janeiro (1999). Editora Capivara – Reprodução da Revista “Nossa História”, n 3

Jornal Mulier – Abril de 2010, Nº 75

A inserção das mulheres no mercado de trabalho na América Latina e Caribe aumentou substancialmente nos últimos 20 anos, passando de 32% em 1990 para 53% em 2008. São, atualmente, 100 milhões de mulheres trabalhadoras, um número inédito, que traz efeitos positivos, como maior geração de riqueza dos países, bem-estar dos domicílios e diminuição da pobreza. Mas a feminização do mercado de trabalho também gera tensões, com altos custos para as mulheres e as pessoas que necessitam de seus cuidados. As informações são do documento “Trabalho e Família: rumo a novas formas de conciliação com co-responsabilidade social”, elaborado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), com apoio institucional da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM).

A integração dos mercados de trabalho mundiais abriu oportunidades para o desenvolvimento, mas o processo é desigual entre os países, e os riscos são a precariedade, a mobilidade da força de trabalho e o déficit de qualidade. As mulheres estão inseridas nesse processo ocupando serviços de menor qualidade, principalmente se pertencem a domicílios de menor nível socioeconômico. Estas últimas sofrem dupla ou tripla discriminação: por serem mulheres, pobres e indígenas ou negras. Dessa forma, mulheres e homens sentem mais insegurança sobre as possibilidades de prover rendimentos para si próprios e suas famílias. O contexto familiar também vem passando por mudanças, sendo constituído por menos filhos, mais idosos e muitas famílias chefiadas por mulheres.

Entretanto, como afirma o relatório, “não ocorreram rupturas significativas nas concepções culturais predominantes, que consideram a reprodução social uma responsabilidade das mulheres, e não uma necessidade das sociedades”. As mulheres dividem o tempo de trabalho remunerado com os homens, mas não acontece o contrário com relação à redistribuição das responsabilidades sobre as tarefas domésticas. Também não houve aumento significativo de oferta de serviços de cuidados, como creches, por parte do poder público. Persistem na região dois mitos arraigados e que resistem, o de que o papel fundamental das mulheres é cuidar de suas famílias e filhos e de que as mulheres constituem uma força de trabalho secundária, sendo seu salário apenas uma ajuda ao orçamento familiar. O papel do homem está associado à esfera produtiva, e o da mulher, à reprodutiva. Portanto, está presente a percepção de que o homem, sendo provedor, está desobrigado de boa parte das tarefas dos cuidados.

Diante dessa nova e desigual realidade, a sobrecarga de responsabilidades familiares está na base das discriminações e desvantagens que as mulheres experimentam no mercado de trabalho e se manifestam de várias formas. Elas têm mais dificuldades de entrar no mercado de trabalho, ocasionando maior desemprego entre as trabalhadoras; a diversidade de ocupações para elas é menor; têm menores rendimentos, resultado da discriminação salarial e da desvalorização das ocupações em que se concentram; a informalidade é maior entre as mulheres, deixando-as sem proteção social, como direito a licença-maternidade e aposentadoria, apenas 15% das mulheres da região entre 15 e 65 anos estão cobertas pela seguridade social.

Informalidade

Segundo o documento da OIT/PNUD, os homens geralmente têm emprego considerado “típico”, e suas trajetórias profissionais são contínuas. Já para as mulheres, as alternativas são os empregos em condições “atípicas”, agravando ainda mais as tensões entre vida laboral e familiar. “A tendência a flexibilizar o trabalho feminino deve-se à divisão sexual do trabalho. Isto é, em nome da conciliação entre a vida familiar e laboral, que é vista como um problema das mulheres, se flexibiliza seu tempo de trabalho e também seus salários, que são assumidos como complementares”. Isso geralmente acaba acarretando mais horas trabalhadas, tanto na informalidade, pois é preciso trabalhar mais para ganhar mais, tanto nas tarefas domésticas. Entende-se que trabalhando com horários flexíveis as mulheres “podem” assumir a totalidade das responsabilidades familiares e as tarefas domésticas, o que não é uma preocupação ou responsabilidade do trabalhador “típico” ou masculino.

Interessante que mesmo nos empregos formais as mulheres encontram mais dificuldades em ascender a cargos de chefia, pois teme-se que elas podem não conseguir conciliar suas obrigações familiares com as responsabilidades do cargo, como longas jornadas e viagens.

Chefes de família

Aproximadamente 1/3 dos domicílios da região da América Latina e Caribe é chefiado por mulheres. A importância do trabalho feminino é ainda maior quando, devido à ruptura conjugal, o cônjuge não assume sua responsabilidade parental. De 52% a 77% das chefes de família estão no mercado de trabalho na região, mas os domicílios chefiados por elas tendem a ser mais pobres. A principal causa está relacionada aos menores rendimentos que recebem em razão da dificuldade enfrentada pelas mulheres para conciliar o trabalho remunerado com as responsabilidades familiares sem contar com a ajuda de outros adultos. Diante da oferta deficiente de serviços pré-escolares, elas precisam buscar alternativas, geralmente em detrimento do cuidado de seus filhos e do trabalho em que se inserem.

Nas famílias com maior poder aquisitivo, chefiadas ou não por mulheres, recorre-se a trabalhos pagos para superar estas dificuldades, como babás, creches e empregadas domésticas. Estima-se que 10% dos domicílios da região contem com apoio doméstico remunerado. As empregadas domésticas são parte das estratégias para resolver as tensões trabalho-família, entretanto elas não contam com apoio para resolver suas próprias necessidades de conciliação e, por isso, também transferem suas responsabilidades a outras mulheres, muitas vezes voluntárias e sem especialização para cuidar de crianças e idosos.

Políticas Públicas

Políticas para trabalhar esta conciliação entre trabalho e família têm sido pensadas e colocadas em prática nos países latino-americanos e caribenhos, como ampliação da cobertura pré-escolar e aumento da licença-maternidade. No entanto, segundo a OIT/PNUD, a revisão de legislações ajuda apenas as trabalhadoras assalariadas formais e reforça a ideia de que cabe a elas o cuidado familiar, sem integrar os homens. O principal exemplo é a extensão da licença-maternidade em diversos países, como no Brasil, que trabalha pela licença de seis meses. Entretanto, a licença-paternidade pode ser estendida de 5 para apenas 15 dias. Na Europa, diversos países têm licenças bem maiores, estimulando o casal a ficar com os filhos.

Os custos da inexistência de políticas conciliatórias são grandes. O esforço para conciliar vida familiar e laboral gera enorme tensão e consequente menor produtividade. Também leva a problemas de saúde, acidentes de trabalho, perda de renda para as mulheres, risco de trabalho infantil, sem contar o desperdício de força de trabalho, especialmente feminino, afetando a produtividade e competitividade dos países e debilitando suas trajetórias de crescimento. Há ainda a preocupação com a sobrevivência da própria sociedade, pois as dificuldades estão levando as mulheres a terem menos filhos. A OIT/PNUD ressalta, inclusive, o perigo para a própria democracia e o exercício de cidadania, porque a falta de conciliação restringe a participação feminina na vida pública.

Estudos mostram que em empresas optantes por medidas conciliatórias as/os trabalhadoras(es) trabalham mais tranquilas(os) e lidam melhor com o estresse, aumentando a produtividade de 11% a 16%, resultados que superam os custos de implementação de tais medidas.

Estado, Escola e meios de comunicação

Portanto, é necessário transformar a concepção de que o cuidado é uma responsabilidade privada, da esfera doméstica e das mulheres. É também uma responsabilidade da sociedade – mercado e Estado – e as tarefas reprodutivas devem ser redistribuídas entre mulheres e homens, como já acontece na divisão do trabalho produtivo remunerado. Uma mudança pode começar pela incorporação do conceito de “parentalidade”, referente ao cuidado que os dois membros do casal devem assumir com respeito a filhas e filhos, posteriormente a seus pais idosos

Ao Estado cabe favorecer o diálogo entre família, governo e mercado para a construção de consenso na adoção de uma política nacional integrada sobre conciliação entre vida laboral e familiar. Além disso, o Estado deve promover uma política de sensibilização e transformação cultural, com campanhas de informação para promover melhor compreensão sobre o princípio de igualdade de oportunidades. A Escola tem papel fundamental na socialização de papéis de gênero, promovendo modelos democráticos e de equidade de gênero. E os meios de comunicação podem trabalhar na superação de estereótipos de gênero, dando visibilidade às desigualdades e promovendo o debate público sobre a maneira como deve se distribuir o trabalho produtivo e as responsabilidades de cuidado na sociedade e no interior dos domicílios.

Lembrando que o trabalho feminino deve ser, acima de tudo, não apenas um recurso econômico, mas um meio de desenvolvimento de necessidades sociais, auto-estima e espaços próprios. A participação no mercado de trabalho e a aquisição de renda aumentam o nível de autonomia das mulheres e a satisfação com suas vidas, trazendo melhorias de seu poder de negociação no âmbito familiar. A presença feminina no mercado de trabalho tem relação com conquistas das próprias mulheres, como o reconhecimento de seus direitos, o acesso à educação e a sua inserção no espaço público.

Acesse o documento “Trabalho e Família: rumo a novas formas de conciliação com co-responsabilidade social” na seção de Documentos e Pesquisas no site do Jornal Mulier 

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