Publicidade está na contramão da história das mulheres

2 de março de 2013 Comente »
Publicidade está na contramão da história das mulheres

Jornal Mulier – Maio de 2008, Nº 52

A mulher ainda é a principal atração utilizada pelos publicitários brasileiros para vender produtos. A escolha não é proposital, pois, como demonstram as pesquisas, são as mulheres que decidem, na maior parte das vezes, sobre as compras e o lazer da família, sem contar que, nas últimas décadas, com sua crescente entrada no mercado de trabalho, elas representam expressiva massa consumidora porque têm poderio econômico.

Entretanto, a imagem que a publicidade passa de modelo feminino ainda é anacrônica, veiculando valores ultrapassados e conservadores, como “a mãe feliz do comercial de margarina ou a moça que se resume a um par de seios no anúncio de cerveja”, afirmam a especialista em Comunicação Social, Jacira Vieira de Melo, e a jornalista, Marisa Sanematsu, no artigo “Fragmentos da mulher na publicidade: um corpo sem cabeça e sem alma”.

Segundo as autoras, pesquisas sobre a imagem da mulher na publicidade mostram que as mulheres se veem representadas dominantemente como “mulher sexual”, sendo esta exploração de seu corpo para promover a venda de produtos fortemente rejeitada pelas próprias mulheres. Elas também não gostam de “enrolação”, detestam ser retratadas por meio de estereótipos e valorizam o humor e a emoção. Também gostam de sexo, mas não de machismo, de serem retratadas como “gostosonas cretinas”, reduzidas a curvas. As mulheres esperam que os anúncios valorizem-nas como são: alguém que tem corpo, cabeça, beleza e inteligência.

O desejo de se verem retratadas por inteiro ainda é a tônica. Estudo da publicitária e pesquisadora Clarice Herzog diz que a propaganda costuma operar com estereótipos, com modelos únicos: a mulher inteligente é a que se profissionalizou, a sensual é a jovem, a dona de casa é a que se realiza exclusivamente através da realização de sua família, e o velho é uma pessoa boa e ingênua. Esses estereótipos, segundo ela, fragmentam as mulheres, que aparecem nos filmes publicitários resumidas a um par de seios ou a um exuberante traseiro. Também há uma representação de irrealidade, da “mulher ideal”, da “mulher perfeita”, disseminando um padrão estético de beleza de difícil acesso, veiculado pela mídia e cobrado da mulher: magra, jovem, branca e loira.

Se as mulheres estão insatisfeitas com a representação na publicidade e são as destinatárias principais das mesmas, como explicar a continuidade de tal situação? Duas questões podem ser ditas. Primeiro, recorrendo à escritora norte-americana, Naomi Wolf, “imagens que transformam as mulheres em objetos ou que dão valor erótico à degradação das mulheres surgiram para contrabalançar a recém-adquirida confiança das mulheres”. Bombardeadas por ideais de beleza de corpos perfeitos que valem mais que ideias, as consumidoras ficam em permanente estado de insatisfação, saciado com o consumismo de vários tipos de produtos, que ilusoriamente e temporariamente as deixa mais belas, mais parecidas com os modelos mostrados. Segundo Wolf, “a última coisa que o índice de consumo quer é que mulheres e homens descubram formas de se amarem”, os anúncios vendem insatisfação sexual, pois “o desejo por produtos se enfraquece quando o desejo emocional e sexual aumenta”.

A segunda questão a se discutir é o machismo e a estrutura hierarquizada das relações entre os gêneros no Brasil. Como afirma a escritora e pesquisadora Berenice Bento, “as campanhas são direcionadas para o homem, aquele que pode comprar”, o que fica claro, principalmente, nos comerciais de cerveja. Segundo ela, nesses casos, a mulher não é “como se fosse a cerveja”, ela é a cerveja, é consumida pelo homem silenciosamente sem esboçar reação. São imagens de mulheres desnudas, que estão ali para saciar a sede masculina e não falam uma frase inteligente, como se existissem apenas para servir aos homens. Imagens que causam estragos na luta pelo fim da violência contra as mulheres.

Reconhecendo a importância da mídia e especialmente da publicidade na estruturação e construção de identidades subjetivas, é preocupante que a publicidade ainda não tenha encontrado o lugar social da mulher na sociedade. Exposição sexual e repetição de estereótipos alimentam uma ideia errônea de que a sociedade se estrutura sobre um ideal masculino de mundo, alimentando a discriminação e a violência física e simbólica contra a mulher.

Recentemente, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) determinou novas regras para a propaganda, definindo que a publicidade não poderá ter apelos à sensualidade, e os modelos publicitários jamais serão tratados como objeto sexual. Se os abusos continuarem, além de denunciar, as consumidoras podem perfeitamente usar seu poder de compra e escolha para criticar e boicotar marcas e produtos que não estão respeitando as regras e a integridade da mulher enquanto cidadã e consumidora.

Fontes

BENTO, Berenice. “A cerveja e o assassinato do feminismo”. 2007. Disponível em <http://www.patriciagalvao.org.br/novo2/mulheremidia.htm>. Acesso em: 10 abr. 2008.

MELO, Jacira Vieira, SANEMATSU, Marisa. “Fragmentos da mulher na publicidade: um corpo sem cabeça e sem alma”. 2006. Disponível em <www.patriciagalvao.org.br/novo2/fragmentosdamulhernapublicidade.doc – >. Acesso em: 10 abr. 2008.

RIAL, Carmen. “Dez anos depois, re-visitando Japonês está para TV assim como Mulatos para cerveja: estereótipos raciais e étnicos na publicidade brasileira. In WOLFF, Cristina Scheibe, FÁVERI, Marlene de, RAMOS, Tânia Regina de Oliveira  (orgs.). “Leituras em rede: gênero e preconceito”. Florianópolis: Editora Mulheres, 2007.

WOLF, Naomi. “O Mito da Beleza”. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.

É permitida a reprodução de conteúdo do site para fins não comerciais, desde que citada a fonte: Jornal Mulier – www.jornalmulier.com.br.

Deixe um comentário