Nair de Teffé, a primeira caricaturista do Brasil

9 de março de 2015 1 Comentário »
Nair de Teffé, a primeira caricaturista do Brasil

Jornal Mulier – Junho de 2013, Nº 113

Desdenhando de costumes e protocolos, Nair de Teffé ousou ser uma mulher moderna já nas primeiras décadas do século XX

Ela nasceu em 1886, no Rio de Janeiro, em berço de ouro, filha do barão de Teffé. Numa época em que as mulheres tinham pouca voz e parcos direitos, ela estudou em colégios franceses, tendo a preferência do pai por sua vivacidade e curiosidade, dizia querer casar aos 30 anos e é considerada a primeira caricaturista brasileira. O nome dela é Nair de Teffé, ou Rian, Nair ao contrário, nome artístico escolhido para assinar seus desenhos. Também poderia ser chamada de ousada por suas atitudes à frente de seu tempo.

Percebe-se que muitas mulheres como Nair de Teffé, inteligentes e com vontade própria, ficam relegadas ao esquecimento ou são lembradas por episódios geralmente pitorescos. Este foi o caso dela. Quando se fala em seu nome, logo vem à lembrança a famosa noite do Corta-Jaca. Explica-se: Nair de Teffé, como já citado, teve uma educação primorosa, estudou fora do Brasil, e com a volta do pai para o país, viveu entre Petrópolis e Rio de Janeiro em meio às tradicionais famílias burguesas e aristocráticas. Assim conheceu Hermes da Fonseca, então presidente da República, recém viúvo, que se encantou por Nair, 31 anos mais jovem, e a pediu em casamento.

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Já como primeira-dama, residindo no Palácio do Catete, a jovem, uma entusiasta das artes, promovia festas e saraus. Isso causou críticas políticas, principalmente quando artistas considerados populares demais para o recinto eram convidados, como o cearense Catulo de Paula, conhecido por sua poesia e destreza ao violão, instrumento musical boêmio e pouco nobre à época.

Em uma dessas noites, Nair cantou e tocou ao violão, dentro do palácio, uma composição de Chiquinha Gonzaga – outro nome com restrições da elite – a música Corta-Jaca, um maxixe já conhecido, mas criticado pela moral conservadora considerado sensual e pornográfico. A música chegou até mesmo a ser censurada pelo papa, sendo proibida de tocar no Brasil pelo cardeal Arcoverde em 1914. E foi justamente a referida música que Nair de Teffé cantou no palácio, causando um rebuliço político como a imprensa da época noticiou.

Rui Barbosa, então senador, foi o mais ardoroso crítico. Segundo suas palavras, “aqueles que deviam dar ao país o exemplo das maneiras mais distintas e dos costumes mais reservados elevaram o Corta-Jaca à altura de uma instituição social. Mas o Corta-Jaca de que eu ouvira falar há muito tempo que vem a ser ele, sr. Presidente? A mais baixa, a mais chula, a mais grosseira de todas as danças selvagens, a irmã gêmea do batuque, do cateretê e do samba. Mas nas recepções presidenciais o Corta-Jaca é executado com todas as honras de música de Wagner, e não quer que a consciência deste país se revolte, que as nossas faces se enrubesçam e que a mocidade se ria!”.

Rui Barbosa despertou a ira de Nair durante muitos anos, sendo também retratado por ela em caricatura. Nair referiu-se à noite, anos depois, como uma noite “prafrentex”. Como boa entendedora de artes, criticou o preconceito existente contra a música brasileira, como serestas, chotes e maxixe, com origens e raízes nas danças e cânticos dos escravos. Disse ser uma mulher moderna e apreciar a música brasileira, por isso a escolha do Corta-Jaca na noite do Catete. O fato foi motivo para uma campanha política e nos meios de comunicação para desqualificar o casal.

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Caricatura de Rui Barbosa feita por Nair de Teffé

Nair caricaturista

Atitudes para chocar eram comuns a Nair desde criança. Apesar de ser mais conhecida pelo escândalo do Palácio do Catete que por sua habilidade artística com a caricatura, seu talento era indiscutível. Aos nove anos, experimentou pela primeira vez o uso mais apurado da caricatura, afirma seu biógrafo, Antonio Edmilson Martins Rodrigues. Mas, antes disso, já havia feito caricaturas das freiras dos colégios franceses por onde passou.

Seu jeito agitado em nada combinava com a rígida disciplina dos colégios religiosos, tornando sua vida insuportável e as injustiças sofridas revidadas em forma de caricaturas. Esse dom foi por muito tempo usado por ela como “expressão de seus sentimentos e no modo de estabelecer o seu processo de conhecimento do mundo”, segundo Rodrigues.

No entanto, não poderia ser uma atividade desenvolvida devido às restrições feitas às mulheres na época. Assim a família estimulou o envolvimento da menina com artes e literatura, “a declamação, a música, a pintura e os estudos de línguas eram a condição da educação feminina”. Mesmo assim, ela continuou a caricaturar, inclusive nos salões aristocráticos onde frequentava. Ninguém queria ficar de frente para Nair, ou Rian, sob o risco de ter seus defeitos transformados em traços risíveis.

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Caricaturas de Jânio Quadros e Fidel Castro

Embora não tenha se tornado uma profissional, chegou a expor semanalmente suas caricaturas na capital, em lojas de moda e salões. Transformou-se na primeira mulher a ter suas caricaturas publicadas, ao mesmo tempo, na imprensa brasileira e europeia, como “Fon-Fon”, “O Cinematógrafo”, “Careta”, “O Malho”, “Revista da Semana”, “Fantasio”, “Le Rire”, “Excelsior” e “Femina”. Também ilustrou um livro inglês sobre o Brasil. Chegou a receber uma condecoração do governo francês permitindo que lecionasse no país e foi convidada em 1910 por Pierre Lafitte, diretor do jornal francês “Excelsior”, para se tornar colaboradora efetiva da publicação em Paris.

Mesmo casada com o presidente, continuou a fazer caricaturas. Certa vez, desenhou na barra de um vestido a caricatura de todos os ministros do governo Hermes, exibindo-o em uma reunião ministerial. Chegou a ficar sem desenhar durante longos anos após a morte do marido, quando se envolveu com atividades teatrais – abriu uma companhia própria “Troupe Rian” – e com academias literárias, principalmente em Petrópolis.

Voltou a desenhar muito anos depois, quando procurada por Herman Lima para figurar no livro “A História da Caricatura no Brasil”, e só parou algum tempo antes de morrer. Já idosa, foi chamada pela TV Tupi em 1967, durante a Ditadura Militar, para caricaturar o presidente Costa e Silva em um programa de TV ao vivo, cujo objetivo era promover tarefas impossíveis.

Defensora dos direitos das mulheres

Uma mulher com tais características não poderia deixar de defender publicamente os direitos das mulheres. No início do século XX, frequentadora dos salões e das principais atividades culturais da capital do Brasil, conhecia todos os artistas, jornalistas e boêmios. “Essa movimentação social de Nair e suas amigas, entre as quais Laurinda Santos Lobo, anunciou um novo tempo. Defensora da liberdade das mulheres terem presença e autonomia, essas moças transformaram-se nas locomotivas da sociedade, despertando a atenção de todos. Nair, em especial, destacou-se pela novidade de uma mulher caricaturista que impressionava a todos, mas que era tratada como uma excentricidade. Quando Nair quis transformar sua arte em atividade profissional, observou os limites das ações femininas”.

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Em 1924, na imprensa de Petrópolis, Nair de Teffé defendeu o direito de voto das mulheres. Em entrevista, criticou a posição vexatória em que os países sul-americanos colocaram a mulher desde as independências, fato que tendia a desaparecer por completo. Na referida entrevista, perguntava: “por que permitir ainda que os homens continuem a atrapalhar a vida econômica do sexo frágil (…) disputando-lhes os empregos e os cargos ao alcance de suas forças e capacidade?”.

Para Antonio Edmilson Martins Rodrigues, Nair passou a ser um ícone do Brasil moderno, “essa associação entre mulher moderna e primeira-dama fascinava a todos, pois indicava que, em algum momento, o Brasil teve uma mulher moderna no poder”. Mais idosa, com 80 anos, pronunciou-se a favor do divórcio e da moda da minissaia.

Com dificuldades financeiras, problemas de saúde e três filhos adotivos para criar, uma de suas últimas reivindicações sociais foi contra os altos impostos a pagar à Receita Federal. Protestou diretamente ao ministro à época, Delfim Netto. Descobriu como chegar às mãos do ministro sua indignação: por meio de uma caricatura. O formulário de sua declaração de Imposto de Renda recebido pela Receita Federal tinha uma caricatura de Delfim Netto com um recado: “Ministro, desculpe-me, mas essa coisa de Imposto de Renda é muito complicada para mim. Vocês deviam dispensar os adultos com mais de setenta anos”.

Nair morreu em 1981, no dia de seu aniversário de 95 anos.

Fonte

FONSECA, Joaquim da. “Caricatura: a imagem gráfica do humor”. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1999.

RODRIGUES, Antonio Edmilson Martins. “Nair de Teffé: vidas cruzadas”. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002.

SOLINO, Ubiratan. Rian: a caricaturista que tirou Rui Barbosa do sério. “Jornal da ABI” – edição Especial do Centenário, volume 3. Nº 345, setembro de 2009.

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1 Comentário

  1. Manuel de Teffé abril 20, 2015 at 6:47 - Reply

    Cada vez que desenho penso nela.
    Manuel de Teffé

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