Mundo masculino pode ser melhor compreendido pelas mulheres

2 de março de 2013 Comente »
Mundo masculino pode ser melhor compreendido pelas mulheres

Imagem: Escultura “O Beijo”, 1886,  de Auguste Rodin – Reprodução

Jornal Mulier – Janeiro de 2005, Nº 12

As diferenças e desencontros entre homens e mulheres são um fato inegável. Tanto para as mulheres quanto para os homens entender e respeitar o outro são tarefas difíceis. Entretanto, ao analisar aspectos biológicos e culturais, pode-se chegar a algumas respostas, ajudando esta relação conflituosa. Para as mulheres, é interessante saber mais sobre alguns aspectos do masculino.

Biologicamente falando, hoje sabemos que a noção de ser homem ou mulher encontra-se no cérebro e não nos genitais. As diferenças de gênero e a consequente atração entre homens e mulheres estão intimamente ligadas à ação inteligente dos hormônios. Nos homens, a testosterona é o hormônio responsável por características como a agressividade, a virilidade e a força física, necessárias à caça e à proteção do grupo, em especial aos mais jovens e frágeis. A ação desse hormônio tem ciclos rápidos de 15 a 20 minutos, permitindo grandes emoções em curto espaço de tempo, ao contrário do estrogênio – hormônio feminino – com ciclos de 15 dias e busca emoções mais duradouras. Desta relação hormonal já podemos entender um aspecto de desencontro entre homens e mulheres: as constantes insatisfações femininas diante das fugazes emoções masculinas.

Outra característica da testosterona é que ela determina ação, competição, conquista e, ao mesmo tempo, provoca síntese ao falar e pensar e determinação ao agir no perigo. Por isso os homens são sintéticos, objetivos e buscam ação, ao contrário das mulheres, mais analíticas, subjetivas e em busca de intermediação.

Sob o aspecto cultural, é característico de diversas sociedades, como a brasileira, o predomínio de um sistema patriarcal, regime de dominação e exploração das mulheres pelos homens. Nesse sistema patriarcal, desde pequenos os homens são estimulados a desenvolver condutas agressivas, perigosas e reveladoras de força e coragem. Já as mulheres são educadas para desenvolver comportamentos dóceis, cordatos e apaziguadores. Esta organização social, baseada na virilidade como força-potência-dominação, também permite prever mais um desencontro entre homens e mulheres.

Para a cientista social, Heleieth Iara Bongiovani Saffioti, “não é fácil ser homem”. Por representar a força, quase perfeição, o homem não tem direito de falhar. “Se há uma tarefa perigosa a ser realizada, por um grupo sexualmente misto, é sempre um homem escolhido para fazê-la. Se tiver bom gosto para se vestir, seja para decorar sua casa, não é verdadeiramente homem, fica no limbo dos prováveis homossexuais. Se é sensível, é efeminado”. Visto dessa forma, há inúmeros fatores prejudiciais aos homens.

Uma outra questão delicada, segundo Saffioti, é a que diz respeito ao papel de provedor da família, um aspecto definidor da masculinidade. Os homens também são muito afetados quando o assunto é desemprego, pois muitas vezes cabe a eles prover as necessidades materiais da família. O papel de provedor, constituindo elemento de maior peso na definição da virilidade, faz com que homens que experimentam o desemprego por muito tempo sejam tomados por um profundo sentimento de impotência. Tal sentimento de fragilidade também pode ser um fator de violência e impotência sexual. A cientista social ressalta que, nem neste caso, permite-se ao homem chorar, consistindo em uma “amputação”, porque há emoções e sentimentos capazes de se expressar somente pelo choro. Pesquisas já demonstram processo de atrofia de glândulas lacrimais dos homens, por falta de uso.

Junte-se aos fatores citados, outro diz respeito à mulher. A psicanalista Suely Rolnik, no livro “A dominação masculina revisitada”, lembra: “a mulher não depende mais do homem para sobreviver, e a verdade é que seu desejo não mais investe apenas o homem, mas também a criação profissional e a vida pública”. Diante dessa mulher transformada, “ele não se sente sinceramente convocado como macho. Habituado a reconhecer-se através do desejo da fêmea inteiramente investido nele e de sua total dependência para existir, o homem não encontra no olhar ambíguo dessa nova mulher o espelho de sua virilidade. Preso, como as mulheres, a um padrão de erotismo de outro tempo, esse homem se estranha, apavora-se e fragiliza-se”.

Para Rolnik, “na ânsia de reconhecer-se como machos e superar as inseguranças, oscilam entre ligar-se a mulheres que ainda funcionam no antigo regime ou sair pelos bares à cata de fêmeas, uma após a outra, ou as duas coisas ao mesmo tempo. Há ainda os homens que desistem das mulheres”.

Já as mulheres regridem às figuras femininas disponíveis, inibindo sua autonomia, ou apelam para as figuras de homem e se masculinizam, como se autonomia é vida pública não pudessem ser vividas num corpo de mulher. Ou então desistem dos homens.

Dessa forma, as relações entre homens e mulheres estão traumatizadas, segundo a psicanalista. Para superar o problema, o primeiro passo é admiti-lo, “não com a esperança de um final feliz, de uma união sem tensões (…) é da tensão desse desencontro desencontrado entre macho e fêmea que nasce o desejo”. Eles precisam estar disponíveis a ouvir no corpo e na alma um do outro um novo jeito de estar juntos, já que não sabem o quanto isso é essencial.

Fontes

BERENSTEIN, Elieser. “A inteligência hormonal das mulheres”. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

ROLNIK, Suely. Tristes gêneros. In LINS, Daniel (org.). “A dominação masculina revisitada”. São Paulo: Papirus, 1998.

SAFFIOTI, Heleieth I. B. “Gênero, patriarcado e violência”. São Paulo: Perseu Abramo, 2004.

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