Mulheres operárias: do século XVII aos dias atuais

2 de março de 2013 Comente »
Mulheres operárias: do século XVII aos dias atuais

Foto: Mulher trabalha em fábrica de armamento em1916 – Roger Viollet – Reproduzido do livro “ISutiãs e Espartilhos: uma história de sedução”

Jornal Mulier – Novembro de 2009, Nº 70

A Revolução Industrial, que teve origem na Inglaterra no decorrer dos séculos XVII, XVIII e XIX, marcou o início do processo de produção de mercadorias em grande escala com a utilização de maquinário e incorporou grandes contingentes de trabalhadores nessa tarefa. Também foi através desse processo que a família foi introduzida na engrenagem de produção, transformando a mulher em força de trabalho, fazendo dela uma operária.

Principalmente para aquelas não pertencentes a uma classe social mais elevada, o trabalho nas fábricas foi quase uma condição para a sua sobrevivência, como afirma a jornalista, professora e pesquisadora, Cecília Toledo. Apesar de continuar a ouvir a fábula de que nasceram para ser mães, as mulheres foram forçadas a abandonar os filhos à própria sorte ou levá-los junto para o trabalho, diante da necessidade de passar o dia inteiro nas indústrias têxteis, onde deixaram sua juventude, trabalhando de forma insalubre, de 10 a 12 horas diárias, com água até o joelho, já que o vapor movia as máquinas.

O trabalho em tais condições, em turnos seguidos, fez surgir inúmeros problemas sociais, como a mortalidade materna e infantil. Quando tinham seus filhos, de 10 a 15 dias após o parto já eram chamadas novamente para a labuta na fábrica, impossibilitando uma recuperação adequada e a amamentação. Uma prática comum das mães nessa época foi dopar suas crianças para que pudessem trabalhar. Como afirma Cecília Toledo no livro “Mulheres: o Gênero nos Une, a Classe nos Divide”, “tornou-se prática comum entre as operárias de Manchester (Inglaterra) alimentar os bebês três vezes ao dia e, para mantê-los quietos o resto do tempo, dar-lhes uma mistura, a mistura de Godfrey”, composta de láudano – um tranquilizante à base de ópio, de largo uso entre as mulheres – e melado”.

Lucratividade com o trabalho feminino

A incorporação de mulheres e crianças no processo industrial também representou maiores lucros aos patrões, pois recebiam salários menores, reduzindo, consequentemente, também os salários masculinos. Assim, a saída da mulher para o mercado de trabalho, que poderia proporcionar sua emancipação, virou sinônimo de opressão e superexploração, impondo uma dupla jornada de trabalho e uma duplicação de sua alienação enquanto trabalhadora.

No Brasil, nas primeiras décadas do século XX, as mulheres também formavam grande parte do operariado, especialmente as imigrantes: espanholas, italianas, portuguesas, húngaras, romenas, polonesas, lituanas e sírias. Em 1901, como afirma a historiadora Mary Del Priore, constituíam quase 68% da mão de obra empregada na indústria de fiação e tecelagem. Trabalhavam de 10 a 14 horas por dia, em péssimas condições de higiene e sob grande controle disciplinar. Além disso, os salários eram baixos, estavam constantemente sujeitas ao assédio sexual e não existia qualquer legislação trabalhista capaz de protegê-las de tal exploração. Somente a partir da década de 1930, depois de inúmeras manifestações operárias em todo o mundo, a legislação brasileira proporcionou garantias trabalhistas às mulheres. Na Era Vargas, anos 30, 40 e 50, houve a regulamentação do trabalho de mulheres e crianças, e o presidente Getúlio Vargas fixou a jornada de trabalho em 8 horas diárias.

Mobilização sindical

A entrada da mulher operária no movimento sindical aconteceu no país principalmente através das trabalhadoras da indústria metalúrgica no ABC paulista entre o final da década de 1970 e início dos anos 1980. Com o início do processo de abertura política e redemocratização do país, as mulheres começaram a envolver-se em greves, reivindicando melhores salários, equiparação salarial, fim da discriminação no trabalho e mecanismos de controle, acesso a creches para os filhos, direito à saúde. Algumas dessa demandas foram incorporadas à Constituição de 1988, que avançou na garantia de direitos, como a fixação de 44 horas semanais de trabalho, remuneração não inferior a um salário mínimo, licença-maternidade de 120 dias e fixação de limites distintos de idade para a aposentadoria para mulheres e homens.

Entretanto, mesmo com estas conquistas, o trabalho feminino nas fábricas continua a ser um ambiente difícil. Na Zona Franca de Manaus, por exemplo, predominam atividades que empregam grande número de operárias jovens, força de trabalho barata e não especializada, que exige equilíbrio motor e causa desgaste visual. No livro “Chão de Fábrica – Ser Mulher Operária no Pólo Industrial de Manaus”, a pedagoga e professora da Universidade Estadual do Amazonas (UEA), Ierecê Barbosa Monteiro, relata a rotina dessas trabalhadoras. O trabalho no chão de fábrica, na linha de produção, é repetitivo, requer atenção e estressa a operária em um curto espaço de tempo, estabelecendo a pressão pela eficiência e eficácia. Outro problema verificado na pesquisa é a dupla jornada de trabalho, na fábrica e em casa.

A especialidade da mulher no capitalismo, segundo Cecília Toledo, “é ser operadora de máquina, exercer as tarefas mais mecânicas e repetitivas, não assumir cargos que exijam decisão e responsabilidade, enfim, ser um trabalhador não qualificado”. E isso acontece também para que a mulher “não abandone as tarefas de reprodução da mão de obra no lar, de onde o capital extrai uma parte de mais-valia; continue se ocupando de tarefas domésticas, com as quais supre as deficiências do Estado em relação aos serviços públicos, receba salários precários e sirva de mão de obra barata e descartável”.

No século XXI, a consequência mais direta da migração de postos de trabalho do setor industrial para o de serviços foi a incorporação dessas mulheres nas empresas de telemarketing. O perfil dos operadores, ou melhor, operadoras de telemarketing, é o seguinte: mais de 80% feminino, com idade por volta de 22 anos, com segundo grau completo e o primeiro emprego para a maioria. Segundo as pesquisas, o setor é um grande empregador e representa um caminho para a formalização de mão de obra, mas paga pouco, comparando-se à indústria. Ou seja, com as novas tecnologias, sobretudo a informática, há uma facilitação do trabalho feminino e sua absorção como força de trabalho, mas isso não deixou de discriminar a mulher e estabelecer setores específicos para o seu trabalho, normalmente os menos remunerados.

Sob o neoliberalismo

A incorporação das mulheres no setor de serviços e a precarização de suas condições de trabalho são características do modelo econômico neoliberal e da globalização econômica, que aprofundou a concentração de riqueza e as desigualdades nas últimas duas décadas. O processo aprofundou a divisão sexual do trabalho inclusive com um viés internacional, entre norte e sul do planeta. Como afirmam Nalu Faria e Sarah Roure, no jornal “Folha Feminista”, “no Sul global, as mulheres estão concentradas em setores da produção internacionalizada, seu trabalho é explorado e nenhum direito é garantido, tanto na indústria (as montadoras na América Central), como na agricultura (produção de frutas no Chile, aspargos no Peru, flores na Colômbia ou castanhas na Bolívia). Outro problema é a utilização do tempo das mulheres como variável de ajuste, já que é visto como elástico, um recurso inesgotável”.

Essas e outras características foram acentuadas com a recente crise econômica global e são responsáveis por doenças, como lesões por esforço repetitivo e transtornos mentais e comportamentais, como depressão, ansiedade e apatia. Além de causarem enormes transtornos sociais, como suicídios, afastamento de trabalho e gastos com saúde, as doenças são também causadas pela falta de sentido do trabalho. Essa insatisfação tem origem nos fundamentos do capitalismo, que também transforma a força de trabalho em uma mercadoria.

Se para a mulher o capitalismo poderia ter representado uma forma de libertação, na medida em que ela pode participar do espaço público e ter maior autonomia financeira, é também sob esse sistema econômico que ela conhece uma exploração nunca antes vivenciada. Entretanto, as operárias de hoje e as trabalhadoras em geral encontram inúmeras possibilidade de lutar por mudanças, participar de sindicatos e movimentos políticos, mobilizando-se pela efetivação e garantia de seus direitos enquanto mulher e trabalhadora.

Fontes

TOLEDO, Cecília. “Mulheres: o Gênero nos Une, a Classe nos Divide”. São Paulo: Sundermann, 2008.

Jornal “Folha Feminista”, julho de 2009.

Jornal “O Globo”, 8/04/2007.

Revista “Carta Capital”, 22/10/2003 e 7/10/2009.

Revista “Leituras da História”, ano II, n° 18.

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