Mulheres e crianças serão as mais afetadas pelo desequilíbrio do clima no planeta

2 de março de 2013 1 Comentário »
Mulheres e crianças serão as mais afetadas pelo desequilíbrio do clima no planeta

Foto: Agricultora segura espiga de milho seca em plantação no Zimbábue – AFPGetty Images  - Reprodução do “Relatório Sobre a Situação da População Mundial 2009″

Jornal Mulier – Janeiro de 2010, Nº 72

 Alguns grupos populacionais estão mais propensos a sofrer com o aquecimento global e suas consequências, especialmente a população pobre, com maior possibilidade de morar em áreas vulneráveis a enchentes, tempestades e elevação do nível do mar, a depender da agricultura e da pesca para sua subsistência, correndo mais riscos de passar fome ou perder seus meios de subsistência quando acometidos por secas, chuvas imprevisíveis ou furacões que passam por suas regiões com força sem precedentes. E, entre os pobres, as mulheres são particularmente vulneráveis. Assim descreve a situação a diretora executiva do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), Thoraya Ahmed Obaid, no recém divulgado “Relatório sobre a Situação da População Mundial 2009 – Enfrentando um Mundo em Transição: Mulheres, População e Clima”.

O documento afirma que “a mudança do clima é mais do que uma questão de eficiência energética ou de emissões industriais de carbono; trata-se, também, de uma questão de dinâmica populacional, pobreza e equidade entre os gêneros”. A mudança do clima diz respeito às pessoas, as principais responsáveis por isso, e, ao mesmo tempo, as mais afetadas e que precisam adaptar-se a essa nova realidade. “A influência da mudança do clima sobre as pessoas também é complexa, motivando migração, destruindo meios de subsistência, transtornando economias, comprometendo o desenvolvimento e exacerbando desigualdades entre os sexos”. Mas são também as pessoas que têm o poder de interromper o processo.

As mulheres residentes em países pobres serão afetadas de um modo diferente em comparação aos homens. Isso porque, em muitos países, elas constituem a maioria da força de trabalho agrícola e tendem a ter menos acesso a oportunidades de geração de renda. Como também administram domicílios e cuidam dos membros de suas famílias, tal realidade muitas vezes limita sua mobilidade e aumenta sua vulnerabilidade a desastres naturais relacionados ao clima. “A seca e a pluviosidade errática obrigam as mulheres a trabalhar mais arduamente para obter alimentos, água e energia para suas casas. As meninas deixam de frequentar a escola para ajudar suas mães nessas tarefas. Esse ciclo de privação, pobreza e desigualdade compromete o capital social necessário para lidar efetivamente com a mudança do clima”.

Segundo o relatório da UNFPA, a relação entre gênero, agricultura e mudança climática merece uma análise mais aprofundada, em virtude da importância do engajamento significativo das mulheres na produção, preparação de alimentos e o potencial de uso da terra, podendo  contribuir com soluções para a mudança do clima em países em desenvolvimento. Em 2007, o relatório de avaliação sobre o “Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima” abordou a questão dos “aspectos de gênero relacionados à vulnerabilidade e capacidade adaptativa” em resposta à mudança do clima e a desastres naturais comparáveis. Segundo o texto, as mulheres “são desproporcionalmente envolvidas em atividades dependentes de recursos naturais, tais como a agricultura, em comparação com profissões assalariadas”. Além disso, a parte desproporcional do ônus com que as mulheres arcam durante a reabilitação (de desastres relacionados ao clima) tem sido associada aos papéis que elas desempenham na esfera reprodutiva.

Refugiados do clima

A migração, opção de mudar de lugar devido a degradação ambiental, será uma opção cada vez mais frequente. Entretanto, segundo a UNFPA, “uma vez que a migração exige recursos econômicos, entre outros, ela é uma estratégia de superação que não está disponível a todos. As mulheres, as crianças e os idosos geralmente são os que tendem a ficar para trás, enquanto os membros do domicílio mais jovens e do sexo masculino têm mais propensão a deixar o lar. Os membros do domicílio que permanecem, principalmente as mulheres, podem, portanto, tornar-se ainda mais vulneráveis, uma vez que podem ter de arcar com o ônus de cuidar do domicílio, ao mesmo tempo em que terão acesso a menos oportunidades de obtenção de renda”.

A migração masculina nos lares também pode aumentar os riscos para as mulheres aos efeitos de desastres naturais. Já existem evidências de que a vulnerabilidade a tais desastres difere entre homens e mulheres, pois estatisticamente os desastres naturais matam mais mulheres do que homens, ou matam as mulheres em idade mais jovem se comparado aos homens. “As diferenças das taxas de mortalidade entre homens e mulheres após desastres naturais são diretamente vinculadas às diferenças de status socioeconômico entre os sexos e ao grau em que as mulheres gozam de direitos econômicos e sociais. Restrições ao comportamento e acesso limitado a informações e a recursos podem reduzir diretamente as chances de sobrevivência das mulheres durante ou logo após um desastre natural. Além disso, uma vez que as mulheres são as principais provedoras de cuidados em muitas sociedades, elas tendem a cuidar da segurança de seus filhos às custas de sua própria segurança durante uma situação de crise”.

Um exemplo de tal situação é citado no documento, como relatos do tsunami de 2004. “Muitas mulheres morreram porque estavam em suas casas, sem saber da onda fatal que estava a caminho, enquanto a crista da onda gigante fez boiar os barcos de seus maridos pescadores, que sobreviveram. Algumas mulheres ficaram presas ao peso de seus saris (roupas típicas) e afogaram. Outras, ainda, nunca haviam sido incentivadas a aprender a nadar, apesar de terem vivido toda a vida nas proximidades da água. Meninas se afogaram porque nunca aprenderam a subir em árvores como seus irmãos haviam aprendido. Uma menina foi solta em uma maré gigante por seu pai porque ele não conseguiu segurar tanto ela quanto o seu irmão e, conforme disse ele mais tarde, o ‘filho tem de continuar a linhagem da família’”.

Quando as mulheres também migram, os padrões de discriminação e maus tratos pré-existentes são muitas vezes agravados. “As mulheres se encontram em risco de violência sexual e violência de gênero, tráfico de seres humanos, abuso infantil e maus-tratos relacionados ao consumo de álcool. Mulheres e meninas deslocadas e refugiadas enfrentam mais perigos em contextos convencionais de acampamentos e contextos urbanos quando da coleta de lenha, água e na busca dos meios de subsistência. Em muitas sociedades, as mulheres se encontram em ainda mais desvantagem quando procuram obter documentação ou readquirir titularidade de uma propriedade”. Além disso, ao se fixarem em outras cidades, geralmente também com capacidade inadequada de absorção e com falta de planejamento para crescimento futuro, os migrantes rurais-urbanos muitas vezes não têm escolha senão sobre-explorar ou poluir os recursos naturais para atender a necessidades básicas, morando em encostas e locais com pouca infraestrutura de moradia, saúde e educação.

Política de planejamento familiar

A questão da relação direta entre aumento populacional e maior aquecimento global é citada várias vezes pela UNFPA. Cada pessoa a mais em uma população consome alimentos e precisa de habitação, transporte, combustível para aquecer seus lares e eletricidade. Em alguns países desenvolvidos, há projeções de estabilização da população, fato ainda não verificado em países em desenvolvimento, que também aumentam sua capacidade de consumo, na medida em que conquistam uma maior renda per capita. A influência do crescimento populacional sobre o aumento das emissões é ainda maior dependendo do nível de consumo médio per capita, mais elevado em países desenvolvidos. Acredita-se que a estabilização da população ocorrerá naturalmente, e não por meio de coerção ou controle, se forem atendidas as necessidades de planejamento familiar e de assistência à saúde reprodutiva, bem como outros serviços básicos de saúde e educação. Entretanto, apesar da preocupação com uma população crescente, atualmente ultrapassando 6 bilhões de habitantes, há argumentos afirmando haver maior influência dos níveis de consumo sobre a mudança do clima do que o crescimento da população.

Mulheres como protagonistas de mudanças

O texto conclui que a influência do gênero na resiliência – isto é, na capacidade de recuperação de impactos da mudança do clima – é “uma consideração importante” para o desenvolvimento de intervenções destinadas à adaptação, bem como as diferenças de gênero relacionadas à adaptação refletem os padrões mais amplos de desigualdade estrutural entre os gêneros.

As mulheres rurais são um exemplo citado no texto. Como estão mais próximas dos recursos naturais em proporção direta a sua pobreza, costumam ter mais consciência de que as ações de sua comunidade ou mesmo as suas próprias podem causar degradação ambiental local. Portanto, experiências de mulheres camponesas e indígenas podem ser usadas como boa prática não apenas em suas comunidades, mas a nível global, estimulando trabalhos sustentáveis em inúmeras outras localidades. E o mundo já testemunhou o poder feminino em adotar ações que contribuem para a redução dos níveis de dióxido de carbono na atmosfera. Wangari Maathai recebeu o Prêmio Nobel da Paz por toda uma vida de ativismo ambiental que começou mediante a mobilização de mulheres para plantar milhares de árvores em solos desmatados e degradados do Quênia. Na Índia, o movimento Chipko obteve a participação de mulheres já na década de 1970, para proteger as florestas e seus próprios direitos à silvicultura ao se darem as mãos e os braços em torno às árvores, dissuadindo madeireiros incumbidos de derrubá-las. O movimento levou a grandes reformas das leis de silvicultura da Índia, resultando em uma maior cobertura florestal hoje (e, portanto, mais carbono nas árvores e menos na atmosfera).

Estudo sobre desmatamento, atividade desempenhada majoritariamente por homens e responsável por uma proporção substancial de todas as emissões de dióxido de carbono, constatou que uma alta presença de organizações não-governamentais de mulheres em países de baixa renda pode ajudar a proteger as florestas da destruição. ONGs também têm documentado modelos inspiradores de mulheres e homens atuando contra os estereótipos. “Pais que ficam viúvos após desastres às vezes passam a cuidar ativamente de seus filhos e até se mudam de casa para estar próximos da escola de seus filhos. Alguns programas de compensação oferecem recompensas financeiras aos homens por se absterem do consumo de bebidas alcoólicas durante a recuperação pós-desastre, atenuando com sucesso a pobreza secundária das mulheres e sua vulnerabilidade a maus tratos conjugais”.

Portanto, uma mudança de política para “uma capacitação mais proativa” faz-se necessária a fim de reduzir a desigualdade entre os sexos, hoje as mulheres raramente constituem mais do que 15% dos autores dos relatórios de avaliação climática. Mas “as vozes das mulheres precisarão ser fortes e ouvidas, vindas de conselhos tribais, passando pelos ministérios de energia dos países até os corredores das Nações Unidas”. “A maior participação das mulheres na questão do clima – seja como cientistas, seja como ativistas comunitárias ou negociadoras em conferências das partes do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática – só pode favorecer a resposta da sociedade à mudança do clima ao agregar-se à diversidade de perspectivas sobre como abordar o desafio que ela representa. Essa participação, por sua vez, pode ser fomentada mediante a melhoria da igualdade legal e social das mulheres com relação aos homens e seu igual gozo de direitos humanos, inclusive o direito à saúde sexual e reprodutiva e a determinação de ter filhos e quando os ter”, recomenda a UNFPA. “Dar autonomia às mulheres, garantindo-lhes acesso aos recursos e às informações de que precisam para tomarem decisões apropriadas sobre o manejo de recursos é, portanto, fundamental para o desenvolvimento sustentável”.

Acesse o “Relatório sobre a Situação da População Mundial 2009 – Enfrentando um Mundo em Transição: Mulheres, População e Clima” na seção de Documentos e Pesquisas no site do Jornal Mulier 

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1 Comentário

  1. Rosangela maio 24, 2015 at 19:35 - Reply

    Rita Mayo Peixoto diz: Gosto de quem se dê ao trabalho de dedicar um site à gente. Pois são as pessoas que fazem o mundo. E gente resistente e autêntica é boa gente. É o que faz falta. Lutarmos e elogiarmos uns aos outros. Boa!!! Rita

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