Mulheres batem recorde de participação e na conquista de medalhas nas Olimpíadas 2012

4 de março de 2013 Comente »
Mulheres batem recorde de participação e na conquista de medalhas nas Olimpíadas 2012

Gabby Douglas é a primeira ginasta negra dos Estados Unidos a ganhar uma medalha de ouro no individual geral, vitória alcançada nas Olimpíadas de Londres 2012 – Reprodução – foto de Gregory Bull, Associated Press – AP 

Jornal Mulier – Setembro de 2012, Nº 104

Terminadas as Olimpíadas de Londres, o resultado foi positivo para as mulheres. Pela primeira vez na história dos jogos olímpicos, todos os países levaram atletas em suas delegações. Dos 11 mil atletas participantes, cinco mil eram mulheres, um percentual de 44%, atingindo quase a paridade de gênero. Sem dúvida, uma conquista, ao levarmos em conta que na primeira Olimpíada da era moderna cabiam a elas apenas coroar os vencedores, como afirmou o Barão de Coubertein, fundador do Comitê Olímpico Internacional, no século XIX.

No entanto, de acordo com o demógrafo e professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – Ence/IBGE, José Eustáquio Diniz Alves, não foi fácil convencer todos os países a enviar atletas em suas delegações. Foi sob pressão do governo inglês e do Comitê Olímpico Internacional que três países muçulmanos resistentes à inclusão feminina enviaram mulheres aos jogos de 2012. Portanto, “foi o resultado de um esforço de um século para reduzir o hiato de gênero, que esteve presente desde o início do movimento olímpico moderno”.

Segundo levantamento de Alves, nas Olimpíadas de Paris, em 1900, apenas 2% dos países levaram mulheres em suas delegações. Esse número foi crescente a partir de então: 9% em Londres (1908), 45% nas Olimpíadas da Antuérpia (1920), 54% em Amsterdã (1928), 70% em Montreal (1976), 85% em Atlanta (1996), chegando a 96% em Pequim no ano de 2008 e atingindo 100% em Londres 2012. Percentualmente em relação aos atletas masculinos, a paridade era impensável entre os anos de 1900 e 1920, as mulheres representavam apenas entre 1% e 2% do total. Esse percentual chegou a 10% em 1920, 21% em 1976, 34% em 1996, 42% em 2008 e o recorde, 44%, nas Olimpíadas de Londres 2012.

Na briga pela hegemonia além de econômica, esportiva

A participação das atletas femininas também foi decisiva na disputa de hegemonia entre Estados Unidos e China. Esta última, a nação mais populosa e que mais cresce economicamente no mundo, vem nos últimos anos disputando a liderança no quadro de medalhas. Em ambos os países, as mulheres foram fundamentais para que chegassem ao topo do ranking internacional, lembra José Eustáquio Diniz Alves. Elas representaram mais de 50% das delegações nos dois casos.

Como mostram os dados do Comitê Olímpico Internacional, das 104 medalhas conquistadas pelos Estados Unidos, 58 foram vitórias femininas, e das 87 medalhas alcançadas pela China, 49 vieram das atletas mulheres. E o melhor desempenho feminino não se resumiu às duas nações citadas acima, dos dez primeiros países do quadro de medalhas, quatro tiveram melhor desempenho feminino, além de EUA e China, mas também a Rússia, com 44 pódios femininos e 38 masculinos, e a Austrália, com 20 a 15.

Para as brasileiras, a participação nas Olimpíadas de Londres também foi positiva. Oito décadas após enviar sua primeira atleta aos jogos olímpicos de Los Angeles (1932), a nadadora Maria Lenk, as delegações brasileiras têm sido quase paritárias desde as Olimpíadas de Sidney, em 2000. Este ano, as atletas brasileiras conquistaram sete das 17 medalhas do Brasil, 41% do total, um recorde, segundo Alves, não podendo esquecer que houve uma reversão na desigualdade de gênero quando o assunto é o topo do pódio: foram das mulheres duas das três medalhas de ouro conquistadas pelo Brasil tanto em Londres 2012 como em Pequim 2008. Para a próxima Olimpíada, do Rio de Janeiro 2016, há a expectativa de paridade total, tanto em número de atletas quanto em medalhas. Como afirma o demógrafo, “a equidade de gênero nos esportes é um aspecto importante para ajudar a colocar um fim à discriminação de gênero na sociedade”.

O desafio continua

Apesar do avanço, a igualdade de gênero no esporte continua a ser um desafio, segundo a diretora-executiva da ONU Mulheres, Michelle Bachelet, sendo necessárias medidas urgentes para acabar com práticas discriminatórias. Alguns casos são citados em artigo publicado por Bachelet para comprovar esta preocupação. Entre eles, a estreia do boxe feminino na Olimpíada, quando houve a tentativa de forçar as mulheres a usarem saias para diferenciá-las dos homens, ajudando os telespectadores a identificá-las. Mas a Associação Mundial de Boxe decidiu que caberia às próprias mulheres a decisão sobre qual seria a melhor vestimenta a ser usada, colocando um ponto final na polêmica.

Bachelet cita outro caso de discriminação, relacionada ao meio de transporte oferecido. Enquanto o Japão enviou sua equipe masculina de futebol na primeira classe, a feminina viajou em classe turística. Fato parecido aconteceu com atletas das seleções de basquete e futebol da Austrália. Em ambos os casos, as atletas, mulheres, tiveram melhor desempenho no quadro de medalhas em relação aos compatriotas masculinos, levando Japão e Austrália a reverem suas políticas relacionadas com viagens de seus atletas.

A exploração sexual feminina é lembrada pela diretora executiva da ONU Mulheres para exemplificar a desigualdade de gênero no esporte. A atleta de judô dos Estados Unidos Kayla Harrison tornou-se inspiração por sua excelência olímpica – ganhou ouro – e superação do trauma de ter sido abusada sexualmente pelo primeiro treinador quando tinha 13 anos. Sofreu em silêncio por medo durante muitos anos e pensou em suicídio, até revelar o caso, que levou à prisão do agressor.

Mais um desafio que reproduz a desigualdade tem um viés econômico. Segundo Bachelet, um estudo realizado na Grã-Betanha constatou que apenas 0,5% de todo o patrocínio comercial esportivo vai para esportes femininos. Em termos de visibilidade nos meios de comunicação, mais desigualdade: apenas 5% da cobertura midiática destaca os esportes femininos e 43% das adolescentes entrevistadas para a referida pesquisa britânica disseram não ter modelos femininos de conduta.

“O sexismo nos esportes também se reflete na diferença salarial, na cobertura da mídia – que se concentra mais na aparência do que no desempenho, na falta de acesso equitativo a instalações e equipamentos esportivos, no tempo de treinamento e disponibilidade de treinadores, nas competições, no financiamento e na escassa representação e liderança feminina nas instituições esportivas”, resume Michelle Bachelet. Para ela, é inegável o poder que o esporte tem para o empoderamento de mulheres e meninas. “A participação esportiva permite que elas treinem para se superarem, aumentando suas capacidades e autoconfiança, numa influência benéfica que pode acompanhá-las por toda a vida. No entanto, a desigualdade persiste e priva as mulheres de atingir seu pleno potencial”. Sem dúvida, nas Olimpíadas de Londres, as mulheres quebraram muitas barreiras, ressalta Bachelet, mas “agora elas precisam e merecem que lhes seja outorgada a igualdade de condições”.

Fontes

ALVES, José Eustáquio Diniz. “As Olimpíadas mais femininas da história”. Artigo publicado em www.agenciapatriciagalvao.org.br, 13/08/2012.

BACHELET, Michelle. “As mulheres aspiram ao ouro, mas a igualdade de gênero continua a ser um desafio”. Artigo publicado em www.unifem.org.br, 15/08/2012.

Jornal “Folha de S. Paulo”, 13/08/2012.

É permitida a reprodução de conteúdo do site para fins não comerciais, desde que citada a fonte: Jornal Mulier – www.jornalmulier.com.br.

Deixe um comentário