Maria Vitarelli – médica, jornalista e poeta

2 de março de 2013 Comente »
Maria Vitarelli – médica, jornalista e poeta

Jornal Mulier – Abril de 2008, Nº 51

 Segundo Maria Vitarelli, a mulher brasileira sempre foi vanguarda em sua atitude de pensar, com seu dinamismo e vencendo barreiras inconcebíveis de preconceito 

Maria Vitarelli diplomou-se em Didática de Língua Inglesa pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Medicina pela UNI-Rio e Jornalismo na Faculdade Hélio Alonso. É membro da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, médica da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro e do Departamento de Internação Domiciliar – HPS. É conselheira suplente da ABI, onde também é médica da Diretoria de Assistência Social. 

Mulier – Você é médica, escritora e jornalista. Quais os motivos que a levaram a tais escolhas profissionais? 

Maria Vitarelli – O alcance social dessas atividades me motivou desde sempre. Minha paixão é o ser humano. Servi-lo é o meu maior objetivo, porque nada pode ser mais importante. Pragmatismo em excesso me deixa triste e egoísmo me deprime. Se conseguir realmente conciliar essas frentes de combate, num país como o Brasil, de necessidades múltiplas, atingir a quase realização pessoal fica mais fácil.

Mulier – Como médica, qual a avaliação que faz dos principais problemas enfrentados pelas brasileiras e pelos brasileiros com relação à saúde?

Maria Vitarelli – São problemas crônicos, gigantescos, mas que, com vontade política, determinação e interesse sincero, consegue-se resolvê-los. É que nos transformamos no país da vitrine, do “faz de conta” e do “oba-oba”. Somos um povo adolescente ainda, sem juízo: quinhentos anos de história, apenas. O brasileiro, de modo geral, não tem noção comunitária. É individualista, e apenas o que é seu realmente interessa. Apesar de cristão, parece-me cada vez mais materialista. O mundo globalizado se tornou mais cruel, com o neoliberalismo. Saúde de pobre parece nada valer, e quem gosta mesmo de Saúde Pública vale menos. Os programas sociais funcionam de modo muito acanhado diante de tudo o que se tem a realizar. Faltam acolhimento nos hospitais, valorização dos profissionais envolvidos e interesse, de fato, em melhorar a saúde.

Mulier – E a saúde da mulher? A Medicina ainda vê o corpo feminino como problema devido a suas características sexuais específicas?

Maria Vitarelli – Vem sendo observada pela Saúde Pública, com maior critério, em algumas cidades. Porém, vencer a barreira da ignorância, da compreensão de que saúde é nosso bem maior, e que prevenção é a chave do bem-viver, não tem sido fácil, nessa dimensão continental do país. Aí entram os meios de comunicação auxiliando a Medicina, com critério, com fundamento na informação e bom assessoramento. A mulher merece toda a atenção, até porque é a garantia para as novas gerações. O aleitamento materno deve ser estimulado sempre, a licença-maternidade mais extensa, a prevenção das DST, a gravidez assistida, tudo isso constitui dever de Estado, e como ele falha! A formação anatômica do corpo feminino não deve ser encarada como problema porque é o berço da humanidade, merecendo cuidado, respeito e, socialmente, direitos iguais. A Medicina moderna evolui a cada dia nesse sentido, do ponto de vista científico propriamente dito e em sua repercussão social.

Mulier – Como poeta e escritora, como vê a presença feminina na Literatura Nacional? 

Maria Vitarelli – A mulher tem desempenhado relevante papel na Literatura e, de resto, em toda a extensão da cultura nacional. Nem precisaríamos citar os diversos exemplos, porque são por demais respeitados e conhecidos, sobretudo na América Latina. Cecília Meireles, Rachel de Queiroz, Dnah Silveira de Queiroz, Adélia Prado, Cora Coralina, Clarice Lispector, Nélida Pinõn (ex-presidente da ABL, Lya Luft, Zélia Gattai, etc). Em Juiz de Fora, temos excelentes escritores, como a professora Creusa Cavalcanti França, poeta e divulgadora incansável de cultura. A mulher do Brasil, com seu dinamismo, vencendo barreiras inconcebíveis de preconceitos, sempre foi vanguarda em sua atitude de pensar. Temos lideranças muito fortes.

Mulier – As redações de jornais tinham grandes escritores em seus quadros. Como você analisa as mudanças ocorridas com a profissionalização dos jornalistas? 

Maria Vitarelli – Nas redações atuais (Jornal, Rádio, TV e Internet), você vê um número cada vez maior do elemento feminino, com atuação decisiva, impondo-se e sendo respeitada. Lideram vários segmentos do jornalismo brasileiro, onde, até ontem, seria impossível. Isso faz com que a profissão se torne cada dia mais sedutora para as jovens. Escrever é o traço comum entre escritores e jornalistas, embora o estilo ou a forma desse traço tenha conotação diferenciada. Na verdade, fronteira tênue. A cada dia, vemos jornalistas que se ocupam também de escrita não-ficcional ou até ficcional e editam livros, didáticos ou não. O oposto acontece também até hoje, isto é, escritores ocupando posição de jornalistas, apesar da exigência do diploma específico, o que veio a acrescentar uma conotação acadêmica à atividade. No passado, tivemos pessoas vocacionadas, brilhantes, sem a qualificação referendada pela Faculdade, porém a formação geral era muito mais sólida.

Mulier – Você acha que a Imprensa é um dos pilares da democracia? Que cumpre seu dever?

Maria Vitarelli – A Imprensa é o grande cimento que interliga os vários ramos do conhecimento humano. Como diz Hannah Arendt, “não há progresso, sem se dizer o que acontece”. O direito à informação exata faz parte da democracia plena. Apesar das dificuldades, dos percalços vários, sob regimes políticos adversos, tem cumprido seu dever. É ideal que não morre. Chama eterna que nem a tirania da prepotência pode destruir. Tem poder quando é sério, inspirando respeito e sendo capaz de transformar as sociedades.

Mulier – Você faz parte da ABI, que completa 100 anos. Qual a importância da instituição para a história do país?

Maria Vitarelli – A ABI tem uma bela tradição de luta pelos direitos dos cidadãos, pelas causas nacionalistas (haja vista o exemplo do Dr. Barbosa Lima Sobrinho, a quem tive a honra de prestar serviço médico, o Dr. Herbert Moses, o dinâmico e atual presidente, jornalista Maurício Azêdo, o vice-presidente, Audálio Dantas, o escritor e professor de jornalismo investigativo, Domingos Meirelles, etc.). Permanece na trincheira inesgotável em busca da verdade, da defesa e apoio dos profissionais, associados ou não. Devemos prestigiá-la, pois é a incomparável “casa do jornalista”. Seus 100 anos, em abril, têm que ser comemorados por todos. Falar da ABI me empolga. Faz parte das grandes decisões em prol do progresso do país e de tudo o que engloba justiça social, defesa da democracia e acolhimento ao jornalista.

Mulier – O que a ABI tem a oferecer a estudantes, pesquisadores e pessoas interessadas em conhecer a instituição?

Maria Vitarelli – Com os parcos recursos que possui, ela está sempre vigilante, sentinela de vanguarda. Esforça-se para fornecer atividades culturais constantes, cursos de extensão, atividades filantrópicas, assistência médica, em parcerias, e benefícios vários, como apoio em bolsas de estudos, divulgando pelo site www.abi.org.br os debates, reuniões políticas, espetáculos artísticos, etc. A biblioteca é visitada por estudantes de Comunicação, de Cinema e outras áreas para pesquisas, pelo seu acervo de alto valor. A localização privilegiada de sua sede (próximo à Cinelândia), com desenho arquitetônico que marcou época e, até hoje, destaca-se no corredor cultural do centro do Rio, facilita a visitação até por caravanas de outros países. O Jornal Mulier está no setor “Periódicos” da Biblioteca.

Mulier – Com o avanço tecnológico e a relatividade do tempo-espaço, como ficam a profissão de jornalista e o processamento da informação? 

Maria Vitarelli – Facilitada, dinamizada. Processamento de informação outrora inconcebível e cada vez mais fascinante. O modernismo que emana do Jornal Mulier na especialidade, jornalismo cultural, entra nesse conceito atual. Hoje, temos, dentro do Jornalismo, especialidades: comunicação médico-científica, jornalismo econômico, jornalismo jurídico, etc. Tudo evolui e, à frente dessa evolução, dizendo o que acontece e defendendo o ser humano em todos os âmbitos de atuação, em suas necessidades e ideais, está o jornalista e/ou escritor.

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