Joel Zito Araújo – diretor de cinema e escritor

2 de março de 2013 Comente »
Joel Zito Araújo – diretor de cinema e escritor

Foto: Carla Osório

Jornal Mulier – Outubro de 2009, Nº 69 

Para Joel Zito vivemos uma tensão midiática entre aqueles que exploram o corpo feminino para vender produtos e as mulheres que transformam o imaginário a seu favor

 Joel Zito Araújo é doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA /USP) e pós-doutor pela Universidade do Texas. Dirigiu os filmes “A Negação do Brasil”, vencedor do festival “É Tudo Verdade” (2001), “Filhas do Vento”, ganhador de 8 kikitos no Festival de Gramado de 2005, e “Cinderelas, Lobos e um Príncipe Encantado”, que lhe rendeu os prêmios de melhor filme e melhor diretor do 9º Festival Ibero-Americano de Sergipe. Joel também é autor dos livros “A Negação do Brasil – o negro na telenovela brasileira” e “O Negro na TV Pública”, no prelo, além de vários artigos sobre a mídia e a questão racial no Brasil.

Mulier – Você pode falar um pouco para nós sobre sua origem e formação? 

Joel – Nasci na divisa de Minas e Bahia, no município de Nanuque, filho de um mineiro com uma baiana. Sou, portanto, baianeiro, com muita alegria de pertencer a estes dois estados muito interessantes. A minha primeira formação universitária foi Psicologia, depois fiz mestrado em Sociologia da Educação, mas já migrando para o Cinema. O meu doutorado foi na Escola de Comunicação e Artes da USP. Meu pós-doutorado foi na Departamento de Cinema-Rádio e TV da Universidade do Texas, em Austin.

Mulier – No seu livro e documentário “A negação do Brasil”, você discorre sobre a imagem do negro nas telenovelas brasileiras. Quais as principais conclusões a que chegou e como analisa esta realidade hoje?

Joel - Inicialmente, a minha intenção era mapear os estereótipos sobre o negro na dramaturgia televisiva. No entanto, o mais importante foi ter compreendido que, para além dos estereótipos, o que está na base do nosso racismo televisivo é a ideologia do branqueamento. Essa ideologia, que foi base da política de Estado no Brasil no fim da escravidão, criou um imaginário que coloca o ser humano de características arianas no topo do ideal de beleza e assegurou a perpetuação do poder colonial dos brancos, naturalizados por ela como “nascidos para o poder”. E transforma o ser humano de características negras como representação do subalterno, do feio, do inferior, do atraso.

Mulier – Como vê em geral a imagem da mulher refletida nos meios de comunicação?

Joel – O movimento feminista influenciou ou criou bons parceiros na dramaturgia (como Janete Clair e Manoel Carlos), que escreveram ótimos personagens femininos derrubando a ideia machista sobre o baixo potencial das mulheres para cargos de poder e de direção na sociedade. No entanto, apesar de termos hoje mulheres com muito poder na televisão brasileira, a exemplo do telejornalismo da Rede Globo e na presidência da TV Brasil, ainda persiste uma imagem de mulher objeto, em segmentos da dramaturgia e da publicidade. E o corpo e a sexualidade da mulher ainda sofrem uma espécie de apropriação e controle pela indústria do entretenimento. Mas, na realidade, creio que vivemos uma tensão midiática entre aqueles que se apropriam do corpo e dos afetos femininos para vender os seus produtos e as próprias mulheres que se tornam poder e transformam imaginários a seu favor.

Mulier – Qual sua expectativa para a I Conferência Nacional de Comunicação que acontece em dezembro?

Joel – Vai ser um acontecimento importante, mas sou pessimista quanto à possibilidade de conseguir efetivamente algum tipo de controle da sociedade civil sobre nossa TV, que é uma concessão pública, mas se comporta como uma grande fazenda privada de algumas famílias. Mesmo assim, é bom que exista um fórum público para apontar a questão.

Mulier – Você também tem vários filmes cuja temática é a mulher. Por que a sua atenção especial às mulheres? Como analisa a realidade das mulheres negras no país hoje? 

Joel – Somente a Psicanálise pode explicar porque as mulheres têm um lugar tão especial em minhas narrativas. Eu tenho as minhas desconfianças, mas não arrisco expô-las (risos). O que é público e notório é que venho de uma família muito feminina, com uma mãe e irmãs super-poderosas e sedutoras, sou pai de duas filhas mais poderosas ainda sobre o homem e o artista Joel Zito Araújo, além de ter casado cinco vezes (risos). Quanto à mulher negra, ela está na base da pirâmide racial, social e econômica da sociedade brasileira. Sempre trabalharam muito, sempre foram chefes de família, sempre foram maioria absoluta no segmento das empregadas domésticas, ganhando quase nada e com poucos direitos sociais e sindicais, desde o fim da escravidão, além de sofrerem com os estereótipos que as consideram feias diante das brancas ou quase brancas e de serem predestinadas a servir, a cuidar. E a minha mãe foi lavadeira, empregada doméstica e operária em uma fábrica de vidros, portanto conheço essa realidade de dentro de casa. Inegável é que a extrema desigualdade econômica entre ricos e pobres do Brasil, a nona economia do mundo, recai mais profundamente sobre as mulheres negras.

Mulier – Em seu mais recente filme “Cinderelas, Lobos e um Príncipe Encantado”, o tráfico de mulheres e a exploração sexual são abordados. Qual o motivo da escolha do tema e o que apreendeu com a pesquisa para a confecção do trabalho? 

Joel – Foi saber que 75% das jovens mulheres que são objetos do desejo do turista sexual estrangeiro são afrodescendentes. Esse foi o meu primeiro filme sobre a mulher negra pobre, que para sair da condição de empregada doméstica ou serviçal com baixíssimo rendimento, opta pelo turismo sexual. Entendi que a entrada nesse mundo é uma tentativa de ascensão social, de buscar usufruir do mundo do consumo e dos equipamentos sociais à disposição da classe média. Mas, para além de tudo isso, namorar um gringo de olhos claros é uma fonte de construção da autoestima, de empoderamento sexual e afetivo. Os “gringos” veem na mulher negra, ou quase negra, um conjunto de atributos sexuais e afetivos que os homens brasileiros buscam nas “louras”. Elas são consideradas mais quentes, mais propensas ao sexo, mais carinhosas, mais meigas. Partilhar e servir a este tipo de imaginário acaba possibilitando uma situação de empoderamento pessoal e social. E, diante deste universo, abre-se também um mundo de perigos, de tráfico de seres humanos, de violência. É uma loteria que premia com príncipes encantados e pune com lobos.

Mulier – O Estatuto da Igualdade Racial foi aprovado recentemente. Qual sua opinião sobre a não aprovação no Estatuto das cotas previstas para negros na TV? O que pensa sobre o Sistema de Cotas nas universidades?

Joel - Creio que as minhas respostas levam facialmente à dedução que sou a favor de todas as medidas possíveis de redistribuição de renda, de poder, de acesso a bens públicos, como o direito à universidade subsidiada com dinheiro público, para a população negra. Foi uma pena que as elites políticas, articuladas pela elite midiática, tenham conseguido mutilar tanto o Estatuto da Igualdade Racial. O Brasil para se tornar a grande nação que se anuncia precisa urgentemente de mais e mais políticas de ação afirmativa. Somente assim sairemos do ciclo de corrupção, de elitismo e de persistência da mentalidade colonial de casa grande e senzala.

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