Elizabete de Paula Martinho – presidenta do grupo Axé Mulher e integrante da Associação de Empregadas Domésticas de Juiz de Fora

2 de março de 2013 Comente »
Elizabete de Paula Martinho – presidenta do grupo Axé Mulher e integrante da Associação de Empregadas Domésticas de Juiz de Fora

Jornal Mulier – Abril de 2009, Nº 63

Elizabete de Paula Martinho afirma que falta união das empregadas domésticas para a melhoria individual de cada uma

Mulier – Você é presidente do Axé Mulher e integra a Associação de Empregadas Domésticas de Juiz de Fora. Pode contar um pouco sobre sua trajetória de vida pessoal e profissional? 

Elizabete – Nasci na cidade mineira de Barroso, mas vim para Juiz de Fora com 20 anos. Posso dizer que não tive infância, porque desde os sete anos faço serviços domésticos, sempre acompanhando minha mãe que trabalhou a vida inteira em casa de família. Aos dez anos, entregava trouxas de roupa, minha vida de responsabilidade começou muito cedo. Fiz até a sétima série do Ensino Fundamental. Aos quatorze anos, casei. Sempre gostei de estudar, mas a vida dura de trabalho e de mãe me impediu de terminar os estudos. Só voltei a estudar 25 anos depois, após criar meus dois filhos, quando conclui o Ensino Médio em 2008. Estive casada por 20 anos até ficar viúva. Sempre trabalhei como doméstica, serviço de reconhecida baixa remuneração, e, por isso, tinha que trabalhar em dois turnos para proporcionar o estudo dos meus filhos e ajudar a sustentar a casa, já que meu marido passou a ter problemas de alcoolismo, ficando, inclusive, agressivo comigo. Fui vítima de agressão e ameaças.

Mulier – Como vê a situação das trabalhadoras domésticas no Brasil hoje em relação a situações como jornada de trabalho, salários, assédio moral e sexual?

Elizabete – Para a melhoria individual de cada empregada doméstica, falta união. Se tivesse mais união, mais busca, a nossa situação seria melhor. Está faltando integração e, na cidade, nem existe sindicado da categoria para saber mais sobre seus direitos. Dia 26/04 vai ter um encontro das empregadas domésticas de Juiz de Fora, que será um momento de integração e discussão. Com relação à situação das trabalhadoras domésticas como um todo, vejo ainda precária. Muitas entram no serviço e não têm hora para sair, os salários ainda são baixos, apesar da legislação garantir um piso mínimo, e o assédio ainda existe. Eu mesma já sofri assédio sexual. Também conheço casos de patrão que engravidou empregada e mulheres que tomaram, sem saber, sonífero dissolvido em café para serem abusadas. Essa deu sorte porque desconfiou do mal-estar súbito e se trancou no quarto até voltar à consciência. Essa questão do assédio ainda está associada à figura das mucamas, escravas obrigadas a fazer o serviço da casa e atender aos desejos sexuais dos homens da família. Ainda existe a funcionária que tem que servir o patrão.

Mulier – Quando você começou seu engajamento na luta por melhores condições de trabalho para as domésticas. O que a levou a isso? 

Elizabete – Há sete anos, participei do Encontro de Mulheres de Periferia de Juiz de Fora, onde tinham representantes de diversas organizações sociais de mulheres, mas nenhuma da Associação de Empregadas Domésticas. A partir daí, comecei a participar da Associação e lutar pelos interesses das trabalhadoras, melhores condições de trabalho e maior conscientização. A doméstica tem que ter consciência do seu trabalho, não é só ir lá e fazer seu serviço e receber o salário. As domésticas costumam ser discriminadas até pela forma de trabalhar, quando não fazem o serviço da maneira que a família e os patrões estão acostumados. É uma questão de tempo para entrosamento e, às vezes, nem há esse tempo. Patrões chegam a dizer que não merecemos o salário que pagam para nós por isso. A partir desse entendimento, voltei a estudar, nasceu o grupo Axé Mulher, formado basicamente por mulheres que trabalham como domésticas, e que vem fazendo trabalhos itinerantes, levando informação, inclusive, para domésticas de outros bairros.

Mulier – A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres tem a intenção de encaminhar proposta ao Congresso Nacional para regulamentar a profissão das domésticas. Quais as principais reivindicações das trabalhadoras? 

Elizabete - Essa foi uma discussão que fizemos em 2006 dentro do Congresso realizado em Belo Horizonte, e levamos para a Secretaria Especial de Direitos Humanos esta proposta. Já temos o 13º salário garantido em lei, mas queremos direitos legais da CLT. Um problema é que não temos formação profissional. Aqui em Juiz de Fora, por exemplo, tinha a Casa da Doméstica Cidadã, que foi fechada agora na nova administração municipal. Lá tinha cursos de capacitação. Isso dificulta a busca de especialização e direitos. Nos Estados Unidos, a empregada é uma profissional, aqui no Brasil não, o que desvaloriza o trabalho doméstico. O Governo Federal tem um projeto chamado Trabalho Doméstico Cidadão. Tem como objetivo qualificar e valorizar o trabalhado doméstico com o apoio dos Sindicatos das Empregadas Domésticas, que vai fazendo essa capacitação dos profissionais, que por sua vez vai repassando a outras pessoas. É um trabalho que estimula a concretização dos estudos, proporciona ensino de informática e fortalece a organização das trabalhadoras doméstica. Aqui na cidade, não sei como vai ser, porque não tem sindicato. A falta de capacitação profissional das domésticas também é ruim para os empregadores, que não sabem a qualificação da doméstica na hora de contratar.

Mulier – Você acha que o trabalho das domésticas é reconhecido? Como vê a relação entre empregadas e empregadores?

Elizabete – Devido a nossas condições ainda precárias de trabalho, acho que não. Esta relação tem que ser de amizade, consideração e respeito entre ambos, mas, às vezes, isso não existe. A doméstica, muita vezes, sente-se discriminada, sofre preconceito. E a própria mulher, na sua condição de doméstica, já tem esse preconceito com o seu trabalho, chega na casa de uma família para trabalhar com baixa auto-estima, sentindo-se a “coitadinha”. Isso só piora se não tiver patrões como os meus, que me estimulam a estudar e me capacitam no trabalho.

Mulier – Muitas mulheres conseguem ser bem sucedidas profissionalmente pela estrutura que têm em casa de babás, faxineiras e domésticas. O que pensa sobre isso? 

Elizabete – É verdade. Sempre trabalhei em casa de família e cuidei de filhos de outras mulheres enquanto os meus ficavam na creche. Entendo essa situação das mulheres que trabalham e não vejo problema em deixarem seus filhos com outras mulheres no momento em que encontram uma pessoa de confiança. Quando vamos trabalhar na casa de família que tem filhos, herdamos esses filhos e acabamos dando a eles o que não fazemos pelos nossos. Quando cuidava de crianças, ficava pensando nos meus, se estavam sendo bem tratados, e assim transmitia todo o amor para as crianças que gostaria que meus filhos estivessem recebendo. Acho que o filho da patroa é mais bem cuidado que os nossos, ainda mais quando temos que pagar pouco a uma terceira pessoa para tomar conta deles enquanto trabalhamos, uma realidade de muitas domésticas. Entretanto, muitas domésticas sentem uma certa frustração de ver outras mulheres conquistando sucesso no mercado de trabalho, porque não conseguem alcançar os seus próprios objetivos devido à pesada carga de trabalho. Existem casos em que os empregadores estimulam até certo ponto o crescimento pessoal e profissional das empregadas, como incentivando a estudar. Mas até o ponto em que isso não prejudica as relações profissionais. Isso frustra às vezes.

Mulier – Segundo o Instituto Carlos Chagas, os lugares mais comuns das mulheres no mercado de trabalho são atividades informais, não remuneradas e o trabalho doméstico. Diz que as mulheres sofrem dupla discriminação como mulheres e negras. O que acha dessa afirmação? 

Elizabete - Eu sofro três: por ser pobre, negra e mulher. A trabalhadora doméstica é discriminada mesmo, a própria palavra “doméstica” vem de termo “domesticado”, de “domar”. Precisamos trabalhar muito, moramos na periferia, e o próprio dinheiro da doméstica parece que é discriminado. Até no comércio, quando fazemos crediário, perguntam a profissão, e faço questão de dizer que sou trabalhadora doméstica. Costumam tratar diferente e ligar para patrões para confirmar informações. No mercado de trabalho desigual entre homens e mulheres, as mulheres negras ganham ainda menos que as brancas. É uma situação mundial, sendo pior para nós, mulheres negras. Às vezes não importa nem a escolaridade maior na hora de ser selecionada para emprego com uma mulher branca. É uma desigualdade difícil de acabar. Só quando houver igualdade social e racial, independente de homem ou mulher, negro ou branco, o quadro vai mudar.

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