Concentração e ausência de pluralidade continuam nos meios de comunicação no Brasil sem a regulamentação democrática dos meios

17 de março de 2015 Comente »
Concentração e ausência de pluralidade continuam nos meios de comunicação no Brasil sem a regulamentação democrática dos meios

Jornal Mulier – Setembro de 2013, Nº 116

Há pouca diversidade e pluralismo de ideias nos meios de comunicação, mas a sociedade quer mudanças

Recente pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo sobre “Democratização da Mídia” revelou que a televisão tem uma penetração quase universal nos domicílios brasileiros: a TV aberta alcança 94% da população, sendo assistida diariamente por cerca de 4 em cada 5 pessoas. Para quase 90% da população analisada, a TV aberta é a principal fonte de informação sobre os acontecimentos do mundo.

No entanto, a entrevista mostrou uma visão bem crítica sobre o trabalho dos meios de comunicação no país. Para 63,5% das(os) entrevistadas(os), os meios cobrem mais ou menos ou apenas uma pequena parte dos acontecimentos importantes e costumam defender os interesses sobretudo dos seus próprios donos (35%) e dos que têm mais dinheiro (32%). Mas sete em cada dez brasileira(os) desconhecem que as emissoras de TV aberta são concessões públicas. Para 60%, são “empresas de propriedade privada, como qualquer outro negócio”.

Outro aspecto estudado na pesquisa foi a pluralidade e a diversidade na TV. Para a maioria, a TV retrata a mulher, a população negra e os nordestinos às vezes ou quase sempre com desrespeito (63,6%, 65,5% e 63,3%, respectivamente), além de mostrar a população negra menos do que deveria (51,7%) e uma programação mais pautada em notícias do Rio de Janeiro e de São Paulo (43,8%).

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O jornal Mulier ouviu a professora Ana Maria da Conceição Veloso e o cineasta Joel Zito Araújo sobre diversidade no telejornalismo brasileiro. Ana Veloso, jornalista, professora da Universidade Católica de Pernambuco e representante da sociedade civil no Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), destacou a escassez de tempo como algo massacrante para os telejornais, “os temas dos direitos humanos, em geral, tendem a ser reduzidos a poucos olhares, interpretações e fatos. Temos uma carência, sobretudo na mídia dita ‘privada’, ou ‘comercial’, de reportagens especiais sobre os temas dos direitos das mulheres, o que poderia ser um importante elemento para qualificar alguns dos debates com relação, sobretudo, ao tema da violência”.

Mesmo assim, para a professora, especificamente em relação ao tema da violência contra a mulher, tem havido certa atenção das coberturas, além de ser destaque em especiais e programas de auditório, que estão explorando questões dos direitos humanos das mulheres com responsabilidade. “Mas a cobertura, do factual, ainda enfrenta o dilema do tempo X aprofundamento X enquadramento da notícia”, ressalta.

Sobre a diversidade de apresentadoras(es) e repórteres, Veloso disse ter captado, em sua pesquisa de doutorado, uma maior inserção feminina nas redações. No entanto, estas mulheres não estão ocupando muitos cargos de chefia, ou seja, o poder de decisão ainda é masculino.

Para a professora, “a inserção das mulheres, mesmo que em postos de menor poder pode significar uma maior diversidade de olhares dentro dos veículos, mas, não necessariamente, um ‘olhar equitativo de gênero. É imprescindível que cheguemos à equidade no campo comunicacional, tanto com relação à participação feminina em cargos de decisão, quanto no equilíbrio entre as fontes que são ouvidas”. Além disso, segundo Ana Veloso, a diversidade não deve se restringir às questões de gênero. “O Brasil é um país plural e devemos ter apresentadores/as negros/indígenas, por exemplo, para que tenhamos uma mídia mais representativa da nossa riqueza cultural e do nosso capital simbólico”.

Para Joel Zito Araújo, cineasta e doutor em Comunicação e Artes, é fácil visualizar a pouca presença de repórteres de origem negra e indígena nos telejornais. Em pesquisa coordenada por ele para o livro “O Negro na TV Pública”, baseada na programação da televisão pública brasileira nos meses anteriores à criação da TV Brasil, constatou-se que 88,8% de apresentadoras(es) eram eurodescendentes e apenas 9,4% eram afros e indiodescendentes. Entre as(os) jornalistas, a situação era ainda pior, 93,3% eram eurodescendentes e 6,7% afrodescendentes e indiodescendentes.

Os telejornais ainda são pouco propensos a um enfoque positivo da diversidade humana, da diversidade racial, afirma Araújo. A lógica dos telejornais, especialmente das empresas privadas de comunicação, não difere da lógica da televisão comercial: “ela é comprometida com o lucro, com o patrocinador, com os valores dos patrocinadores. Ela é, portanto, comprometida com a representação de uma minoria que se considera branca e eurodescendente. O olhar sobre o mundo e sobre os excluídos, portanto sobre a maioria negra brasileira, é filtrado por uma ideologia de branquitude”, conclui.

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O papel da TV Pública

No entanto, há avanços, como ressalta Ana Veloso, a exemplo de uma pauta com preocupação cidadã em TVs públicas. “A EBC, por exemplo, tem pautado sua produção de notícias no manual de jornalismo da empresa, que estabelece uma série de normas centradas na ética, no direito dos cidadãos e cidadãs. Já de saída, há essa preocupação com a defesa do interesse público, o que deveria ser mais explicitado/recomendado por todos os meios de comunicação: públicos, comunitários, estatais, comerciais… O enfoque é diferenciado, uma vez que, na TV Pública, em tese, deveríamos primar pelo aprofundamento dos fatos, das notícias, com uma diversidade de posições circulando. A pluralidade de vozes, algo raro nas produções da ‘velha mídia’, deve ser um princípio norteador nas redes públicas. Isso faz todo o diferencial”.

Outro diferencial citado pela professora é a participação do público não apenas opinando em enquetes que só abrem espaço para o SIM ou o NÃO. “A participação crítica, cidadã, responsável e que realmente vai ser incorporada às produções. A EBC tem uma ouvidoria que recebe demandas do público e essas demandas são tratadas, discutidas e levadas em consideração tanto pelo Conselho Curador, quanto pelos(as) produtoras(es) e direção da empresa. As empresas privadas, ao menos, deveriam ter ouvidoria”, ressalta.

Regulamentação dos meios de comunicação

No último dia 27 de agosto, foi lançado o Projeto de Lei da Mídia Democrática, uma iniciativa de inúmeras entidades da sociedade civil com objetivo de mobilizar o Brasil por uma nova Lei de Comunicação. O projeto argumenta que o Código Brasileiro de Telecomunicações, responsável por regulamentar o funcionamento das rádios e televisões no país, completa 50 anos.

Nestas cinco décadas, o Brasil mudou, atravessamos uma revolução tecnológica e passamos por mudanças sociais, políticas e econômicas que permitiram redução de desigualdades e inclusão. “Mas estas mudanças não se refletiram nas políticas de comunicação do nosso país. São 50 anos de concentração, de negação da pluralidade. Décadas tentando impor um comportamento, um padrão, ditando valores de um grupo que não representa a diversidade do povo brasileiro. Cinco décadas em que a mulher, o trabalhador, o negro, o sertanejo, o índio, o camponês, gays e lésbicas e tantos outros foram e seguem sendo invisibilizados pela mídia. Temos uma lei velha e que representa valores velhos. São 50 anos de negação da liberdade de expressão e do direito à comunicação para a maior parte da população”.

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O movimento lembra que mecanismos democráticos de regulamentação dos meios de comunicação são comuns em diversas democracias consolidadas, como os Estados Unidos, a França e a Alemanha, e a regulamentação não é impedimento à liberdade de expressão, ao contrário, é sua garantia. Sem regulamentação democrática, a comunicação produz o cenário conhecido no Brasil: concentração e ausência de pluralidade e diversidade.

Sobre a Lei de Mídia Democrática, a professora Ana Veloso disse tratar-se de uma importante ferramenta para, sobretudo, ampliar o debate acerca da democratização da comunicação no Brasil. “Abre um espaço para que diversas posições possam circular. Reoxigena o debate em torno da urgente, necessária e inadiável regulação do setor no Brasil. É uma iniciativa popular cidadã que tem o objetivo de disciplinar um campo que está ‘ao sabor do mercado’. O projeto deve ser discutido, aprimorado, analisado em cada lugar do país, com a sociedade, de modo consciente, tomando sua posição. O PLIP é um avanço. Precisamos coletar assinaturas para que possa tramitar, apoiar os(as) parlamentares parceiros que estão comprometidos com a causa e mobilizar a população para exigir que o Estado regule o setor”.

O projeto e seus objetivos podem ser conhecidos no endereço:

http://www.paraexpressaraliberdade.org.br

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