C.S. Lakshmi e Drª.Shoba Venkatesh Ghosh – indianas e administradoras da Organização SPARROW – Arquivos de Imagem e Som sobre as Mulheres.

3 de março de 2013 Comente »
C.S. Lakshmi e Drª.Shoba Venkatesh Ghosh – indianas e administradoras da Organização SPARROW – Arquivos de Imagem e Som sobre as Mulheres.

Foto: Roshan Shahani, Neera Desai, C. S. Lakshmi, Divya Pandey, Maithreyi Krishnaraj – Reprodução: www.sparrowonline.org

Jornal Mulier – Fevereiro de 2010, Nº 73

Entrevista realizada juntamente com a cientista política alemã Janna Greve, que em viagem de trabalho à Índia fez o contato e a entrevista, além da tradução para o português

Segundo as entrevistadas, o conceito da mulher indiana é um mito criado pelos antropólogos da Europa e América do Norte

Mulier – O que é a SPARROW e quando foi fundada?

C.S. Lakshmi – O SPARROW é um arquivo de mulheres. SPARROW significa “Sound & Picture Archives for Research on Women” (Arquivos de Imagem e Som sobre as Mulheres). Foi fundado em 1988.

Mulier – Quais os principais projetos desenvolvidos pelo SPARROW? 

C.S. Lakshmi – Os projetos do SPARROW são baseados principalmente na história oral e nas imagens, que incluem trabalhos de documentação. Seu trabalho foca na gravação, coleção e revisão de documentos e nas reflexões sobre as lutas e conquistas nas vidas das mulheres e na história. O nosso site pode ser visitado para se obter mais informações sobre os projetos: www.sparrowonline.org.

Mulier – Como você define a mulher oriental, especialmente na Índia? 

C.S. Lakshmi - O conceito de mulher indiana é um mito criado pelos antropólogos do “oeste” (Europa e América do Norte).  É necessário perguntar às próprias mulheres para que elas mesmas definam quem são. Nós não nos vemos como orientais.

Drª.Shoba Venkatesh Ghosh – Lamentamos que ainda se usem termos totalizantes como “mulheres orientais”. A categoria “oriental” foi gerada pelas teorias epistemológicas e discursos coloniais. Um termo assim viola as diferentes especificações das vidas das mulheres num continente vasto e heterogêneo. Como mulheres indianas – que também é uma categoria diversa e heterogênea – nós respeitamos as diferenças de locais diferentes, mesmo quando tentamos achar pontos em comum e de contato.

Mulier – Como é que veem a percepção que as mulheres ocidentais têm das indianas?

Drª.Shoba Venkatesh Ghosh – O termo “mulher ocidental” é também problemático, porque o “oeste”, da mesma forma, tem muitas realidades. Porém, somos confrontadas muitas vezes com os discursos dominantes do “‘norte global” que exotiza ou objetifica as mulheres do “sul global”.

Mulier – Como a mulher indiana analisa as mulheres ocidentais e o estilo de vida das mesmas?

C.S. Lakshmi - Hoje em dia, com a globalização, não existem mais tantas diferenças nos estilos de vida – as mulheres nas cidades no mundo todo são similares, mas também as mulheres no campo. É apenas uma questão de escala.

Mulier – A economia indiana é uma das que mais crescem no mundo. Qual o impacto disso na vida das mulheres nas áreas urbanas e rurais? 

C.S. Lakshmi - Como a economia de qualquer país, a economia indiana tem um impacto significante na vida feminina nas áreas urbanas e rurais. O crescimento da indústria, a proliferação da educação, do transporte público, da disponibilização de serviços de saúde e de uma infraestrutura básica como água e eletricidade mudaram a vida de muitas mulheres nas duas áreas significantemente. Nas áreas urbanas, as mudanças são mais visíveis, e aí as mulheres têm mais consciência do que podem exigir. Existe uma grande diferença entre a mulher urbana e a mulher rural, mas é importante compreender que a mulher rural não quer simplesmente ser uma mulher urbana. Ela quer uma vida com dignidade, respeito e direitos econômicos na área onde reside.

Drª.Shoba Venkatesh Ghosh – É importante considerar que os problemas que as mulheres rurais na Índia confrontam têm muito a ver com a ordem econômica específica da Índia como também com a ordem global da economia.

Mulier – Como as tradições e a influência persistente do sistema das castas dificultam a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres em geral?

C.S. Lakshmi – É preciso compreender que as tradições estão num processo contínuo de mudança, não são estáticas. Em relação ao sistema das castas, ele impede igualdade em geral. A igualdade de gênero é parte disso. Esta desigualdade pode ser vista em termos de socialização, mas, além das castas, o sistema de classes também tem um papel significante no impedimento da igualdade. Nas áreas urbanas, a casta não tem tanto impacto. Já nas áreas rurais, ainda determina o estado do indivíduo. Nos projetos de desenvolvimento que visam o empoderamento das mulheres, a casta não é tida como critério, mas é considerada no âmbito de educação e do aumento de possibilidades para as não privilegiadas, como, por exemplo, na reserva de vagas de trabalho e de estudo.

Mulier – Quais são, hoje em dia, os maiores desafios das indianas em relação aos direitos sexuais e reprodutivos?

C.S. Lakshmi – O maior desafio ainda é a criança menina ser vista como um fardo, que dá trabalho e custa muito, pois os pais precisam pagar um dote ao marido quando casam suas filhas.

Mulier – O Kama Sutra foi criado na Índia e apresenta uma arte religiosa sensual. Você acha isso uma contradição nos dias atuais com a aparente pouca liberdade sexual que as indianas têm?

C.S. Lakshmi - Tem que se definir o que é a liberdade sexual. Seria as mulheres poderem ter relações sexuais antes de casar ou casos fora do casamento? É só isso a liberdade sexual? Em qualquer sociedade existe sexo antes do casamento e casos de traição, também na Índia. Talvez não se fale sobre isso em público – mas as mulheres ocidentais também não falam sobre isso. Nós achamos que está na hora de nos livrarmos da noção que as mulheres ocidentais são liberadas sexualmente somente porque algumas delas queimaram seus sutiãs. Além disso, as pessoas tendem a ver a cultura da Índia como uma cultura só, mas a sociedade indiana é diversa, com culturas diversas, modos de viver e de se vestir muito diferentes uns dos outros.

Drª.Shoba Venkatesh Ghosh – Infelizmente a questão da sexualidade das mulheres indianas é sempre vista pela lente do Kama Sutra, que foi reduzido a um ritual sexual (geralmente pelos orientalistas do “oeste”) como uma expressão civilizacional de atitudes e comportamentos sexuais. Mas o Kama Sutra é um documento da história, só uma entre várias vozes discordantes. É complicado distinguir entre um “ocidente” sexualmente liberado e um “oriente” sexualmente oprimido. São assuntos complexos que precisam ser discutidos fora de tais generalizações bipolares. Quando nós olharmos o “oeste” vemos muitas contradições. Muitas vezes estamos chocados com a fácil equiparação da liberdade das mulheres em liberdade sexual. Nós preferimos uma visão mais enciclopédica do empoderamento, em que a subjetividade sexual da mulher é um dos assuntos, mas não o único. Claro, têm muitas mulheres indianas que sofrem de opressão sexual e controle. Entretanto, muitas negociam e resistem de maneiras corajosas e criativas nos contextos específicos delas. O controle da sexualidade das mulheres é um assunto comum em todas as culturas, mas acontece de diferentes formas, às vezes mais óbvias, às vezes mais sutis.

Mulier – Qual o papel da mulher indiana na sociedade e na vida cultural?

C.S. Lakshmi – A mulher indiana em todas as regiões da Índia possui um papel muito importante na vida cultural – seja na música, na dança, nas pinturas, no artesanato, na literatura e muitas outras tradições de performance.

Mulier – Qual a situação atual da participação feminina na política e nos movimentos sociais?

C.S. Lakshmi – A participação feminina na política parece estar até melhor que em muitos países ocidentais. Houve muito engajamento de mulheres nos movimentos sociais de nossa história e também em nosso movimento de libertação.

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