Brasil tem as eleições mais femininas de sua história

2 de março de 2013 Comente »
Brasil tem as eleições mais femininas de sua história

Foto: Primeiras eleitoras pernambucanas – Maria do Carmo Carneiro de Lacerda vota em 1933 – Reprodução

Jornal Mulier – Setembro de 2010, Nº 80

Mulheres são maioria do eleitorado e destaque entre as candidaturas à Presidência e à Câmara Federal

Em nenhuma outra eleição brasileira, as mulheres tiveram tanto destaque, não apenas devido às candidatas à Presidência da República, mas porque elas são a maioria do eleitorado e as candidaturas femininas são recordes.

Entre os três primeiros lugares nas pesquisas eleitorais, temos duas candidatas: Dilma Rousseff (PT) e Marina Silva (PV), que concentram mais de 60% das intenções de voto, sendo que a primeira tem a possibilidade de vencer já no primeiro turno, tornando-se a primeira presidenta do Brasil. A disputa presidencial também conta com uma mulher candidata à vice-presidenta, Cláudia Alves, do PSTU.

As candidatas

As Eleições 2010 têm 5.083 candidatas, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), disputando os cargos para Presidência, Senado, Câmara Federal e Distrital, Governos Estaduais e Assembleias Legislativas. No caso das candidatas a deputadas federais, o número é recorde, 1.353 mulheres. Para fins de comparação, nas duas últimas eleições legislativas federais, em 2002 e 2006, foram 490 e 737 candidatas, respectivamente. A minirreforma eleitoral aprovada em 2009 contribuiu para esta marca. Antes, a Lei Eleitoral (9.504/97) determinava a “reserva” de um mínimo de 30% e um máximo de 70% das candidaturas para cada sexo, mas a palavra “reserva” abria espaço para que os partidos não preenchessem essas vagas. A partir da mudança da Lei, fica estabelecido o “preenchimento” e não mais a “reserva” por parte dos partidos de pelo menos 30% de suas vagas com candidaturas de cada sexo. Os números poderiam ser ainda maiores caso a lei de cotas fosse efetivamente cumprida, fato que, infelizmente, não aconteceu.

Com isso, segundo as projeções, espera-se um aumento de 20% a 40% de mulheres na Câmara Federal. O demógrafo e professor, José Eustáquio Diniz Alves, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (ENCE/IBGE), espera que sejam eleitas 63 parlamentares para a Câmara este ano, o que representa 12,2%, a maior bancada feminina da história da Casa.

Segundo o autor, no artigo “A Sub-representação da Mulher na Política no Brasil e a Nova Política de Cotas nas Eleições de 2010”, as mulheres estiveram excluídas da política institucional por mais de 400 anos, entre 1500 a 1932, quando finalmente conquistaram o direito ao voto. Mesmo assim, até 1974, apenas uma ou duas mulheres se revezavam na Câmara Federal e, somente em 1990, foi eleita a primeira senadora.

As eleitoras

Além do destaque das candidatas, a eleição deste ano mostra toda a força das mulheres eleitoras: o eleitorado é cada vez mais feminino e está concentrado entre a faixa etária de 25 a 59 anos. Do total de mais de 135,5 milhões de eleitores, as mulheres são 70.250 milhões, 51,80%. Superam os homens em 5 milhões e são elas que vão decidir as eleições. Segundo o TSE, esta é uma tendência, como mostra a comparação entre as últimas eleições: 50,48% no ano 2000; 50,85% em 2002; 51,21% em 2004; 51,53% em 2006 e 51,73% em 2008.

Assim, as candidatas e os candidatos estão tendo que se dirigir com muito mais atenção às mulheres, com propostas que interferem diretamente em suas vidas. E estas eleitoras, além de maioria, são mais atenciosas a tais propostas e demoram mais a definir seu voto. Como mostraram as pesquisas eleitorais, até o início do horário eleitoral gratuito na televisão e no rádio, as mulheres tinham mais dúvidas com relação ao seu voto que os homens. Inclusive, os meios de comunicação, por várias vezes, ressaltaram que as candidatas na disputa presidencial tinham menor intenção de votos entre as mulheres. Os resultados mudaram totalmente com o início da propaganda eleitoral. Focados em propostas para as mulheres, as candidatas e os candidatos disputam o voto feminino apresentando propostas para criação de creches, combate à violência contra a mulher, mais atenção à saúde feminina, entre outras.

Sub-representação

Apesar do protagonismo feminino, a presença delas nos espaços de poder e decisão ainda é muito discreta. Mesmo com a possibilidade de mais mulheres no Parlamento, a paridade pode estar bem distante, de acordo com José Eustáquio Diniz Alves. Levando-se em consideração o ritmo de crescimento do número de eleitas nas eleições dos últimos 20 anos, o Brasil chegaria à paridade de gênero no Parlamento, 256 deputadas, apenas no ano 2218. Entretanto, a maior presença e exposição de mulheres na vida pública, mesmo ainda incipiente, servem como modelo para outras mulheres, simbolicamente é muito bom.

A ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet, afirmou em entrevista ao jornal “Folha de S. Paulo”, antes de deixar o cargo em 2009, que sua eleição trouxe mudanças culturais em seu país. Segundo ela, “agora as mulheres podem sonhar. Isso eu vejo nas menininhas, e é muito bonito. Antes diziam que queriam ser médicas, como eu, agora dizem que querem ser presidente, como eu. Já se abriu uma possibilidade. Se há sexismo? Sim. Sempre há uma interpretação distinta. Como sempre digo – e isso não é meu -, ninguém ia querer que a seleção de futebol do país tentasse se classificar para a Copa do Mundo jogando com metade da equipe. Então, porque alguém defenderia que um país jogasse o destino de seu projeto nas mãos de metade da população?”.

O mundo fica mais justo e inteligente quando mulheres conquistam o poder, afirma a revista “Geo Brasil”, baseada em estudo da pesquisadora Esther Duflo, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), segundo a qual a visibilidade das mulheres no poder reduz os preconceitos contra elas. Em lugares administrados por mulheres, os preconceitos diminuíram significativamente e as chances de vencer eleições livres aumentaram nitidamente. Isso não porque governam de forma radicalmente diferente dos homens, mas porque a maior parte dos boatos sobre supostas diferenças entre os sexos circula menos.

Entre as dificuldades para maior inserção das mulheres na política estão: a conciliação entre a vida pública e privada; as estruturas tradicionais das instituições e partidos políticos; a discriminação de gênero; a desigualdade na competição eleitoral; alguns tipos de sistemas eleitorais excludentes; o limitado acesso a recursos financeiros para o trabalho político; a pouca oportunidade para formação política; os escassos estímulos e suporte das famílias e da sociedade para a participação política; a falta de políticas de conciliação e co-responsabilidade e a falta de uma cultura política com perspectiva de gênero. O movimento feminista defende, além de cotas, uma mudança no sistema eleitoral brasileiro, com listas fechadas com alternância de nomes femininos e masculinos e financiamento público de campanha, para aumentar as chances de competição.

Segundo a União Interparlamentar (IPU), instituição que mede a presença feminina nos Parlamentos mundiais, o Brasil ocupa a 106ª posição entre 187 países analisados. Fica atrás de países como o Iraque e o Afeganistão. Apenas Ruanda, na África, tem mais de 50% de mulheres deputadas, 56,3%. A média mundial de mulheres deputadas e senadoras é de 19,2%, e são os países no Norte da Europa que ocupam as primeiras posições do ranking: Suécia, Islândia, Finlândia e Noruega, com média de 40% de mulheres parlamentares. Tais países são reconhecidos por suas políticas de equidade de gênero e cotas partidárias para mulheres nos partidos.

Déficit Democrático de Gênero

A necessidade de mais mulheres no poder é uma questão de democracia, pois há um déficit democrático de gênero quando as mulheres são quase a metade da população economicamente ativa do país, mais de 50% do eleitorado e menos de 10% do Parlamento.

Além disso, há quem defenda uma maneira feminina de governar. Almira Rodrigues, socióloga e colaboradora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), afirma que a polêmica é interessante. Segundo ela, “entendemos que a diferenciação ocorre não em virtude de uma dimensão biológica, mas pelo fato de que as mulheres têm uma história política diferente da dos homens, têm uma socialização e um cotidiano diferenciados. Chegam à política com um corpo marcado de histórias. Nessa medida, tendem a levar para a vida pública olhares e vivências de uma condição discriminada e desigual, e ao mesmo tempo, de vivências de gestão de um coletivo (ainda que um coletivo privado, como a família) e de cuidado com o outro (crianças, idosos/as, pessoas doentes e com deficiências). Por vivência dessas histórias as mulheres políticas podem estabelecer conexões mais facilmente com segmentos socialmente discriminados”.

Muitas mulheres têm sido reconhecidas como boas políticas pela melhor comunicação e diálogo, sobretudo quando há dificuldades de entendimento, como em países em conflitos, até porque sabem que irá recair sobre elas e os filhos o pior fardo das guerras. Assim, muitos países em conflito armado têm delegado mais poderes às mulheres a ponto do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) ter aprovado, em 2000, a resolução 1325. O documento reconhece a importância das mulheres na construção da paz e pede aos governos que tomem medidas para aumentar a participação feminina em mecanismos que favoreçam esse papel.

Como afirmou em recente artigo na imprensa brasileira a ex-primeira ministra da Nova Zelândia e atual administradora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Helen Clark, as mulheres têm muitas barreiras a romper. Seguindo o ritmo atual, a paridade de gênero no Parlamento mundial acontecerá somente nos próximos 40 anos. Portanto, “para conquistar a igualdade real para as mulheres, precisamos continuar a trabalhar em prol do empoderamento político, econômico e social das mulheres”.

Fontes

Revista “Geo Brasil”, Nº 12.

Jornal “Folha de S. Paulo”, 08/08/2010.

Jornal “O Globo”, 27/11/2005.

“Jornal do Brasil”, 08/08/2008.

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