Um novo desafio para as mulheres: o envelhecimento é um fenômeno feminino

2 de março de 2013 Comente »
Um novo desafio para as mulheres: o envelhecimento é um fenômeno feminino

Jornal Mulier – Agosto de 2008, Nº 55

Texto de Edmundo de Paula Gomes Júnior

Pela primeira vez na história, o número de velhos será maior que o de crianças e jovens. Não estamos preparados para isso, pois, em 99,9% da história da humanidade, as pessoas nunca viveram mais de 30 ou 35 anos. A experiência de ficar velho, de viver 60 anos ou mais, é muito nova. Nossa sociedade foi construída com base na expectativa de vida do século XIX. Nossas instituições, a escola, a família, o casamento, o Estado, as empresas e o sistema de previdência como conhecemos hoje vêm de uma época em que apenas 3% das pessoas ultrapassavam a barreira dos 65 anos.

Nas próximas décadas, o número de idosos no planeta vai triplicar, enquanto o resto da população aumentará apenas 50%. Na América Latina, o número de pessoas com mais de 80 anos será quatro vezes maior. Em 2025, ocorrerá o “velho-boom”, as pessoas que nasceram no pós-guerra estarão na faixa dos 65 aos 80 anos.

No Brasil, segundo dados do IBGE de 2005, a população de idosos acima de 60 anos era 16,7 milhões e, até 2025, vai superar 33,4 milhões. Este fato despertou interesse do Estado, da sociedade e da mídia em geral, com cadernos especiais, documentários e programas sobre o tema. A Campanha da Fraternidade da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) de 2003 teve como tema “Fraternidade e Pessoas Idosas”, explicitando a preocupação da Igreja Católica. O Governo Federal, através do Poder Executivo, promulgou, recentemente, o Estatuto do Idoso, avançando na Lei 8.842, de 04 de janeiro de 1994, sobre a Política Nacional do Idoso, definindo diretrizes e princípios para as políticas sociais.

Vale mencionar que o referido Estatuto, no capítulo V – Da Educação, Cultura e Lazer – no artigo 28, estabelece que “nos currículos mínimos nos diversos níveis do ensino formal serão inseridos conteúdos voltados ao processo de envelhecimento, ao respeito e à valorização do idoso, de forma a eliminar o preconceito e a produzir conhecimentos sobre a matéria.” Realidade ainda distante da maioria das escolas brasileira.

O envelhecimento é um fenômeno complexo, multidimensional e heterogêneo. O estudo e as pesquisas sobre seus fatores determinantes e implicações podem nos ajudar a compreender o fenômeno e estimular as reflexões necessárias.

Entre os anos 30 e 60 do século passado, houve um sensível declínio da mortalidade, com a fecundidade mantendo-se em níveis altos, fenômeno conhecido na época como explosão demográfica. Em vários países, inclusive o Brasil, o declínio da fecundidade, o ritmo do crescimento anual do número de nascimento passou imediatamente a cair, fazendo com que se iniciasse um processo contínuo de estreitamento da base da pirâmide etária, consequentemente de envelhecimento da população.

No Brasil, o processo é mais complexo na medida em que crianças pobres e doentes do passado, adultos desempregados no presente, serão os idosos do futuro. Como garantir que essa massa de pessoas pobres chegue bem na terceira idade sendo excluídas, com rendimentos precários e acesso limitado aos serviços de saúde? Os países desenvolvidos primeiro cresceram, enriqueceram e depois envelheceram. No Brasil, estamos envelhecendo sem crescimento econômico e com um problema a mais: o processo é mais rápido se comparado a outros países. A França demorou 115 anos para dobrar de 7% para 14% a proporção de idosos. Nós estamos vivendo esse fato no prazo de uma geração de 20 anos. E não estamos preparados para isso.

Nota-se ainda uma grande resistência ao envelhecimento, cercada de mitos, preconceitos e desconhecimento. A reação aos idosos é, talvez, motivada pela única certeza do presente e do futuro, a velhice e a morte, sendo o velho símbolo dessa realidade-tabu. Na lista de mitos e preconceitos, podemos citar a diminuição da inteligência, a senilidade e a incapacidade de aprender, a impotência sexual e a falta de desejo, e o velho como dispêndio da sociedade e do poder público.

O processo de envelhecimento é um fenômeno tipicamente feminino. A feminização do envelhecimento no sentido sociodemográfico está associada a maior presença relativa de mulheres na população idosa, maior longevidade delas em comparação aos homens, crescimento relativo do número de mulheres da população economicamente ativa e crescimento relativo no número de mulheres que são chefes de família. Do ponto de vista médico-social, a feminização da velhice significa mais risco do que vantagem, uma vez que as mulheres são física e socialmente mais frágeis que os homens. A mulher, neste sentido, sofre uma tripla discriminação: por ser mulher, pobre e velha. Os idosos de modo geral e as idosas em particular são objeto de um discurso ambíguo das instituições sociais e do Estado brasileiro, que hora os protege, hora os aponta como causadores dos males que afligem os sistemas públicos de saúde e de previdência.

Segundo dados do IBGE de 2005, das mais de 16,7 milhões de pessoas idosas com mais de 60 anos, as mulheres correspondem a 55% na faixa etária de 60 a 74 anos e 58,6% acima de 75 anos. A expectativa de vida da população brasileira estava estimada em 71,3 anos. Os homens vivem em média 67,6 anos, e as mulheres vivem 75,2 anos, quase oito anos a mais.

Entre as décadas de 30 e 60 do século passado, a mulher se constituiu como “atriz-política” (não pretendendo ser gramaticalmente correto e tendo o devido cuidado com a ideologia) e, sob a influência dos meios de comunicação de massa e da indústria cultural, a mulher começa a ser exposta a imagens contínuas de padrões de beleza, estampados em jornais, revistas e televisão que idealizavam um modelo a ser seguido. Tão logo se reconhecem no espelho, as pessoas passam a perseguir um ideal de beleza física, procurando a imagem de seus pares para serem aceitas no grupo social em que vivem. É a inserção e a submissão da mulher ao mercado da beleza.

Na sociedade midiática espetacularizada marcada pela exagerada exposição visual, as pessoas passam a ter pouca privacidade, e as mulheres, expostas em sua realidade física, passam a ser observadas e julgadas. A juventude é eleita como modelo a ser seguido, mas também deixa de ser compreendida como um momento histórico do curso da vida para se definir como um modo específico de representação de si, um modelo de comportamento e de expressão das emoções.

Homens e mulheres envelhecem de modos diferentes, homens e mulheres são velhos e velhas também diferenciados pela posição e situação de classe. É sobre o corpo feminino que se tem um investimento médico e estético muito mais acentuado, comparativamente aos homens. O cuidado e a intervenção no corpo feminino se iniciam muito cedo na trajetória das mulheres e hoje alcançam a velhice através do controle dos sinais corporais do envelhecimento com cirurgias, reposições hormonais, remédios, etc. A ênfase no corpo biológico exprime como a história feminina é marcada pela Biologia, chamando a atenção para as relações de dominação e de controle que se apresentam no corpo feminino.

O envelhecimento é um processo contínuo porque pressupõe um caminho a ser seguido, do nascimento até a morte; é progressivo ao indicar mudanças ao longo desse percurso, contando a sua história. Para Maria Rita Kehl, ao apagar os sinais do rosto apaga-se a idade, o poder e a história da mulher, desvaloriza-se a experiência e esvazia-se o sentido da vida. A experiência, assim como a memória, produz consistência subjetiva – uma mulher é aquilo que ela viveu – e, descartando-se o passado, em nome de uma eterna juventude, produz-se um vazio existencial.

Para o pensamento ocidental, a velhice é um mal, uma doença, um período triste que deixa adivinhar a morte, esta muitas vezes encarada com mais simpatia que a decrepitude, porque é um sinal de libertação e descanso. Estudar os próprios velhos (e o processo de envelhecimento) e adaptar a sociedade às suas necessidades, e não o contrário, é um dos desafios que se impõe.

Esta concepção naturalista ocidental pensa que o indivíduo tem que se adaptar ao meio para que suas potencialidades sejam estimuladas e desenvolvidas, que o velho deve ajustar-se à redução do vigor físico, à aposentadoria, aos deveres cívicos e sociais. O indivíduo deve preparar-se para enfrentar o envelhecimento, assim como para o enfrentamento das condições em que ele ocorre e quem ele envolve, preparando-se para a própria morte.

Penso que o corpo é um dos instrumentos mediadores na linguagem do sujeito como o mundo, com outros sujeitos e com a natureza, no tempo e no espaço. O fator tempo (um dos signos que viabiliza a historicidade de cada um) remete a constatação dos diversos eventos que compõem o processo de desenvolvimento, logo, do envelhecimento. O tempo é algo problemático, complexo e passível de várias interpretações e considerações. Ao se tratar do processo de envelhecimento, talvez a complexidade se acentue por ter como representante maior o corpo, instrumento responsável pela expressão da subjetividade, pois é por ele que o sujeito se apropria do mundo, representa-se na própria história, construída por uma ação continuada, articuladora dos elos associativos dos fatos da vida que conferem sentido à existência.

O idoso é um ser humano que se transformou do biológico para o sócio-histórico. Um ser que ao longo de sua trajetória constituiu-se em ser social, cultural e histórico, apropriando-se de instrumentos culturais e da linguagem. Um indivíduo ativo, histórico e dinâmico capaz de transformar a si mesmo e a realidade na qual está inserido, como sujeito dialético, histórico e permanente.

Para finalizar coloco uma questão para reflexão: mesmo indesejado e difícil, o envelhecimento como fenômeno biológico não deveria ser tratado como evento sócio-cultural? Mais que um processo “natural” é um fenômeno social, histórico e cultural. O reconhecimento deste fato exigiria de nós uma “pedagogia da idade” ou uma “pedagogia do envelhecer”.

Quando o velho é colocado na posição de oprimido, explorado (e agredido), excluído e condenado à solidão, estamos quebrando as relações dialógicas e éticas de uma sociedade que se tornou intolerante e afastou de si o que ela mesma gerou. Como diz Ecléa Bosi, estamos delineando o nosso próprio futuro.

O desejo de adiar a velhice é um anseio legítimo, compreensível do ser humano, e faz parte da luta do homem para tentar vencer a doença, a dor, a infelicidade e a morte. Freud (1856-1939), na obra “O mal-estar da civilização”, diz que o sofrimento nos ameaça a partir de três direções: (1) do nosso próprio corpo, condenado à decadência e à dissolução, e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais de advertência; (2) do mundo externo, que pode voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas e (3) dos nossos relacionamentos com outros homens, assim, os sinais de envelhecimento percebidos em nosso corpo nos lembram a todo instante da nossa dolorosa finitude.

O idoso quer ser, ser importante, mas quer também estar com, num sentido de comunhão, cooperação, compaixão, correspondência, coexistência, comissão e compreensão. Não é casual o prefixo co+; co(n)+; ou co(m)+. São atividades de conjunto, de troca, de reciprocidade, de possibilidades crescentes, de ação inteligente e amorosa, segundo o saudoso e velho Paulo Freire.

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