Mulheres são as principais vítimas de conflitos armados

2 de março de 2013 Comente »
Mulheres são as principais vítimas de conflitos armados

Foto: Lois Raimundo – Reprodução – “National Geographic Brasil”

Jornal Mulier – Abril de 2005, Nº 15

Há um ano e meio, a imprensa brasileira noticiou a morte de uma menina de 3 anos em um campo de refugiados de Bureij, na Faixa de Gaza. Segundo os médicos, Lina morreu em consequência de medo intenso durante um ataque do exército israelense. A mão da menina contou que a família acordou às 3h da madrugada com o barulho de bombas, disparos de tanques, rajadas de metralhadoras e helicópteros de combate. Lina chorava incontrolavelmente e teve muita febre. A ambulância só pode socorrê-la duas horas e meia depois. Mas já era tarde, pois a menina havia sofrido um choque neurológico provocado por excesso de adrenalina, tornando-se, assim, mais uma vítima de conflitos armados no mundo.

Mesmo perdendo a vida tão jovem, o futuro de Lina provavelmente não seria tão promissor. Se analisarmos os documentos e relatos das atrocidades cometidas contra civis em regiões conflituosas, poderemos afirmar que, à medida que crescesse, a menina estaria sujeita a diversos tipos de violência, como tráfico de pessoas, estupro, escravidão, discriminação, mutilações, torturas e intimidações. Mulheres e crianças são as principais vítimas, sendo 70% das pessoas mortas como resultado dos novos conflitos. Isso acontece porque, nos últimos cem anos, a linha de batalha transferiu-se das fronteiras para o interior dos países, em áreas urbanas e populosas, das quais é difícil distinguir combatentes e civis.

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), “nos conflitos modernos, as mulheres enfrentam novos níveis de brutalidade” e seus corpos “se convertem em um campo de batalha”. Atacar as mulheres do inimigo equivale a agredir todo o grupo, e a violação do corpo feminino é usada para intimidar, conquistar e controlar suas comunidades.

Os relatos obtidos por representantes da ONU no documento “Mulheres, Guerra e Paz” são chocantes. Em visita a 14 zonas de guerra em regiões da África, Oriente Médio, América do Sul, Ásia e Leste Europeu, os especialistas encontraram evidências do que chamaram de uma “epidemia de violência”. Mulheres são usadas como escravas e fazem “serviços” como satisfazer sexualmente a tropa, cozinhar, transportar cargas, pisar em campos minados para abri caminho seguro para os combatentes, buscar água e combustíveis na linha de fogo e são infectadas intencionalmente com o HIV para sofrerem uma morte lenta e dolorosa.

Entretanto, em quase todos os países analisados, a violência que mais humilha e causa danos à mulher e à comunidade é a violência sexual. Em países como o Afeganistão, República Democrática do Congo e Sudão, a vergonha, a humilhação e o medo da não aceitação por parte de parentes fazem com que estas mulheres já traumatizadas tenham medo de ser abandonadas ou mortas por representar uma desonra para a família. Muitas necessitam de cirurgias reconstrutivas, sofrem fortes dores, hemorragias, infecções, abortos ou outro tipo de lesão que pode levar à morte.

Para a Anistia Internacional, “o impacto geral da guerra sobre os direitos econômicos e sociais das mulheres, como o direito à alimentação, água, saúde, moradia, emprego e educação supõe um perigo ainda mais grave que outras formas diretas de violência”.

Diante dessa situação, muitas mulheres que se veem sozinhas para cuidar dos filhos e da família são forçadas a usar seu próprio corpo em troca de assistência e proteção. É uma realidade também comum em campos de refugiados ou em outros países para onde se deslocam em busca de segurança. Costumam sair de uma situação perigosa para encontrar outra. Abusos e exploração podem partir de guardas de fronteira, contrabandistas, piratas, membros de grupos armados e mesmo dos próprios refugiados.

Nos períodos pós-guerra, as mulheres enfrentam novos desafios. O constrangimento físico e moral durante os conflitos está diretamente ligado ao incremento de atos violentos após o mesmo, particularmente com relação à violência doméstica. A maior disponibilidade de armas, a falta de infraestrutura, o desemprego e os traumas psicológicos dos companheiros são motivos para mais desagregação familiar.

A Anistia Internacional afirma que a violência de gênero não começa e nem acaba com a guerra, ela surge da discriminação. Onde quer que vivam, as mulheres raramente contam com os mesmos recursos ou exercem o mesmo controle sobre suas vidas. Invariavelmente a discriminação legitima a desigualdade e a violência, levando à impunidade, que, por sua vez, prolonga a instabilidade e a injustiça, submetendo estas mulheres a novas ameaças de conflito. Segundo o documento da ONU, a responsabilidade dos Estados e das sociedades pelos crimes cometidos contra as mulheres não representa apenas um castigo aos agressores. Significa estabelecer o cumprimento de leis e uma ordem social e política justa para o estabelecimento de uma paz duradoura.

Fontes

Jornal “O Globo”, 27/09/2003.

www.amnistiainternacional.org

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