Mulheres e crianças já são 2/3 dos refugiados e representam grupo mais vulnerável à violência

27 de junho de 2016 1 Comentário »
Mulheres e crianças já são 2/3 dos refugiados e representam grupo mais vulnerável à violência

Foto: Reprodução – Mulher síria e seu bebê na Macedônia, na fronteira com a Grécia. UNICEF/Tomislav Georgiev

A crise de refugiados cresceu exponencialmente nas últimas décadas. Segundo a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), mais de 60 milhões de pessoas no mundo foram forçadas a se deslocar em virtude de conflitos, perseguições e violações de direitos humanos. Mulheres e crianças representam a população mais vulnerável nesta crise. Das aproximadamente 2 mil pessoas que chegam todos os dias à Europa por via marítima, 55% são mulheres e crianças, aumento expressivo em relação a 2015, quando eram 27%.

Desde setembro do ano passado, duas crianças morrem afogadas por dia, em média, ao tentar atravessar o Mediterrâneo para encontrar segurança com suas famílias no continente europeu. Como as crianças agora representarem 36% das pessoas em fuga, a chance delas se afogarem na travessia do Mar Egeu da Turquia para a Grécia tem crescido proporcionalmente.

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Foto: Reprodução – Centenas de refugiados e migrantes a bordo de um barco de pesca momentos antes de serem resgatados: Marinha italiana/Massimo Sestini

O Brasil vinha se destacando no recebimento de refugiados. Nos últimos cinco anos, as solicitações de refúgio no país cresceram 2.868%, passando de 966, em 2010, para 28.670, em 2015, segundo dados do relatório elaborado pelo Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), órgão ligado ao Ministério da Justiça. Os sírios são a maior comunidade de refugiados reconhecidos no Brasil, seguidos dos angolanos, colombianos, congoleses e palestinos.

As mulheres são 19,2% do total de 28,7 mil solicitantes de refúgio no Brasil entre 2010 e 2015. Dentre os 8.493 refugiados já reconhecidos até o final de 2015,  28,2%  ou 1.273  são mulheres. E esses números têm aumentado, reflexo da situação mundial. Segundo a Cáritas Rio de Janeiro, o número de mulheres que chegam ao Rio de Janeiro em busca de refúgio igualou-se ao de homens pela primeira vez neste ano. As mulheres, que em 2014 representavam 30%, passaram a responder por 40% no ano passado e por 50% em 2016. São principalmente mulheres jovens chegando com crianças pequenas.

Perigos pelo caminho

Antes de desembarcarem em portos seguros ou conseguirem refúgio, mulheres enfrentam perigos extras. “Mulheres e meninas refugiadas e migrantes que se deslocam pela Europa enfrentam graves riscos de violência sexual e de gênero”, alertou relatório conjunto divulgado pela ACNUR, o Fundo de Populações das Nações Unidas (UNFPA) e a Comissão para Mulheres Refugiadas (WRC, sigla em inglês). Elas representavam o grupo mais vulnerável e que necessitavam de medidas adicionais de proteção.

Segundo o relatório, mulheres e meninas refugiadas e migrantes já haviam sido expostas a diferentes formas de violência sexual e de gênero tanto em seu país de origem, quanto em seu primeiro país de refúgio, assim como ao longo da viagem de chegada à Europa. Há relatos de relações sexuais forçadas como moeda de troca para “pagar” pelas documentações necessárias para viajar ou mesmo pela própria viagem. Para aquelas que optaram por viajar sozinhas, há total exposição a perigos por não poderem contar com sua família ou comunidade para protegê-las. Por outro lado, mesmo aquelas que viajam com a família são vulneráveis a abusos. Muitas vezes, não relatam os crimes e não recebem o atendimento necessário. Algumas mulheres contam que chegaram a se casar por desespero.

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Foto: Reprodução – Sírios cruzam fronteira para fugir da violência e se tornam refugiados: ACNUR / S. Rich

O relatório apontou que estão particularmente em situação de risco mulheres solteiras viajando sozinhas ou com crianças, mulheres grávidas e lactantes, meninas adolescentes, crianças não acompanhadas, crianças que se casam precocemente (em alguns casos estão com seus bebês recém-nascidos), pessoas portadoras de necessidades especiais e pessoas idosas, exigindo uma resposta coordenada e eficaz de proteção.

No entanto, as notícias não são promissoras. Mediante as restrições impostas por governos de diversos países que recebem refugiados na Europa e o aumento do controle das fronteiras, as instalações de recepção e de trânsito podem ficar superlotadas e sob tensão, elevando ainda mais os riscos para as mulheres e meninas. Além disso, refugiadas e migrantes desesperadas podem recorrer a rotas ainda mais perigosas nas mãos de contrabandistas.

Relatos chocantes

As imagens recebidas pelas agências internacionais de notícias costumam nos sensibilizar, mas, ao ler os relatos das refugiadas, os sentimentos são indescritíveis diante do conhecimento da violência extrema. Uma mãe afegã de 24 anos com um filho de 3 anos contou à equipe da ACNUR ter sofrido abuso nas mãos de contrabandistas, ao longo de todo seu voo a partir do Paquistão, através do Irã e da Turquia. Contrabandistas mentiram, roubaram e a agrediram fisicamente, assim como a outras mulheres que estavam viajando com ela. Na Turquia, os contrabandistas a mantiveram em um albergue durante 25 dias antes de levá-la para a praia, colocando-a em um barco de borracha para a Grécia. Na Tanzânia, sobreviventes ainda estão lidando com as sérias consequências dos assédios e da violência sexual. Algumas mulheres no campo de refugiados estão dando à luz a bebês frutos de estupros. Outras foram rejeitadas por seus maridos, que as acusam de infidelidade ou que têm medo de serem infectados pelo HIV.

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Foto: Reprodução – Estupro tem sido usado como forma de punição para mulheres e homens que tentam fugir do Burundi: ACNUR / Benjamin Loyseau

O pior disso tudo é reconhecer que as instalações de recepção na Europa não terem sido feitas para prevenir ou responder à violência de gênero. Mulheres e crianças não estão recebendo a proteção que necessitam e merecem, reconhece Sarah Costa, diretora executiva da Comissão de Mulheres Refugiadas. “A resposta atual dos governos, organizações humanitárias, instituições e agências da União Europeia e organizações da sociedade civil são inadequadas e não conseguem evitar e responder com eficácia ao perigo, exploração e múltiplas formas de violência de gênero enfrentadas por mulheres e meninas em toda a Europa. Como exemplo, apesar das tentativas do ACNUR e de seus parceiros em garantir o bem-estar por meio de abrigos segmentados por gênero, muitos carecem de privacidade, acesso seguro à água, saneamento adequado, centros de saúde e áreas para descanso para mulheres e crianças, expondo-as a um potencial risco de violência sexual e de gênero”, afirma a ACNUR.

Medidas de urgência

A resposta humanitária nas rotas do Mediterrâneo oriental e pelos Bálcãs ocidental tem priorizado a prevenção da violência sexual e de gênero em todas as atividades implementadas. Uma das medidas é a distribuição para mulheres de lanternas solares nos campos de refugiados, porque faltam maior iluminação e banheiros perto das casas, evitando reduzir a caminhada das mulheres, especialmente à noite, e assim mantê-las em locais mais seguros. Para reduzir os ataques às mulheres e meninas, que caminham 15 km para pegar lenha, os trabalhadores humanitários estão ajudando a construir fogões, assim como proporcionar lenha e ferramentas para cortá-las.

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Foto: Reprodução – Mulher prepara refeição em uma área improvisada ao ar livre do campo de Bab Al Salame, na província de Alepo, Síria: UNOCHA

Outra iniciativa foi a criação dos chamados “Pontos Azuis” ao longo das rotas de migração mais utilizadas na Europa. São centros especiais de apoio e proteção à criança e à família, que fornecem um espaço seguro para as crianças e seus familiares, com serviços vitais, localizando os membros das famílias, provendo proteção e aconselhamento em um único local. No entanto, faltam recursos. Como afirma a ACNUR, programas de longo prazo como assistência psicológica especializada, educação e oficinas de treinamento, cruciais para a prevenção e para o tratamento da violência sexual, caíram no esquecimento. Uma preocupação a mais para esta população já tão vulnerável.

Vídeos: Crianças são as principais vítimas do conflito na Síria

Dia do Refugiado – Tendências Globais 2015 – ACNUR

Fonte: http:www.acnur.org

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1 Comentário

  1. Neusa julho 10, 2016 at 18:26 - Reply

    Como sempre, muito especial. Parabens.
    Um abraço.

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