Maria da Penha Maia Fernandes – a mulher que dá nome à Lei que combate a violência contra a mulher

2 de março de 2013 Comente »
Maria da Penha Maia Fernandes – a mulher que dá nome à Lei que combate a violência contra a mulher

Jornal Mulier – Novembro de 2008, Nº 58

Segundo Maria da Penha, a Lei tem uma importância histórica para a sociedade brasileira, já que os índices de violência doméstica refletem diretamente nos índices de violência urbana

Mulier – Para quem ainda não conhece a sua história de luta pelo fim da violência contra a mulher, poderia contar um pouco sobre o que aconteceu com você?

Maria da Penha – Em maio de 1983, fui vitimada pelo meu então marido, Marco Antonio Heredia Viveros, com um tiro nas costas enquanto dormia e fiquei paraplégica. Marco Antônio por duas vezes foi julgado e condenado, mas saiu em liberdade devido a recursos impetrados por seus advogados de defesa. Em 1998, fui orientada a denunciar o Brasil na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA e o fiz em conjunto com duas ONGs: CLADEM (Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher) e CEJIL (Centro pela Justiça e o Direito Internacional). Após a tramitação do processo naquela Comissão, em 2001, o Brasil foi condenado internacionalmente por tolerância e omissão estatal, não exclusiva do meu caso, mas era pauta sistemática nos casos de violência doméstica no Brasil. A condenação do Brasil trouxe também obrigações a serem cumpridas. Uma delas foi mudar a Legislação, somente implementada no governo do presidente Lula, que tão logo assumiu criou a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, que trabalhou em conjunto com ONGs especializadas na problemática da mulher e de reconhecimento internacional e juristas renomados para a criação da Lei Maria da Penha, aprovada por unanimidade na Câmara e no Senado Federal.

Mulier – A Lei Maria da Penha foi promulgada há dois anos e é, sem dúvida, um avanço para os direitos da mulher. Acha que o Brasil tem instituições, como delegacias especializadas e centros de abrigamento, estruturados para colocá-la em prática?

Maria da Penha - Ainda não, porém, nesse momento, nossa maior preocupação e luta é pela total implementação da Lei em todas as cidades e municípios do nosso país. Entendo que somente quando a maioria das cidades tiver implementado todos os equipamentos que atendam à Lei, como as Casa Abrigo, Delegacia da Mulher, Centro de Referência, Juizado de Violência Doméstica e Familiar, é que a Lei estará sendo colocada totalmente em prática.  Porém, o mais importante, é hoje contarmos com uma Lei que exige a implantação desses aparelhos em todos os municípios do estado para que a mulher possa ser completamente amparada quando procurar ajuda para denunciar essa violência, providências essas que estão sendo implementadas com o apoio do Governo Federal.

Mulier – O que pensa sobre o tópico da Lei que prevê a criação de Centros de Educação e Reabilitação para homens agressores? 

Maria da Penha – Penso que os centros são de muita importância na luta contra a violência doméstica. Temos um projeto aqui para Fortaleza de um local assim, destinado à educação do homem agressor, mas ainda estamos lutando para que realmente seja iniciado esse trabalho.

Mulier – Em sua opinião, qual ou quais o/os tópicos mais importantes da Lei Maria da Penha? Como vê a aplicação da Lei, apesar do pouco tempo?

Maria da Penha - A Lei Maria da Penha tem uma importância histórica para a sociedade brasileira, pois os índices de violência doméstica refletem diretamente nos índices de violência urbana. Porém, penso que a concessão de medidas protetivas de urgência para a vítima de violência é um dos mais importantes mecanismos da Lei Maria da Penha.

Por todos os lugares do Brasil que viajo ministrando palestras e participando de eventos e seminários, tomo conhecimento de que a Lei está trazendo mudanças, e os benefícios já são visíveis. No meu estado (Ceará), o maior hospital de atendimento público, Instituto Dr. José Frota, registrou, em 2007, redução de mais de 50% na entrada de mulheres machucadas, feridas fisicamente pela violência doméstica em relação ao ano de 2006 (essa fonte pode ser encontrada na minha página eletrônica www.mariadapenha11340.com.br). A Delegacia da Mulher de Fortaleza registrou um aumento de 45% no atendimento depois da vigência da Lei. O aumento das denúncias mostra que as mulheres estão confiantes por terem um instrumento legal garantindo o direito de não serem agredidas. A prisão dos agressores serve de exemplo para que futuras agressões deixem de existir e estes comecem a repensar suas condutas. A Lei Maria da Penha é a carta de alforria da mulher brasileira que agora tem apoio para se libertar de uma vida de opressão.

Mulier – Você vê relação entre a superexposição sexual feminina nos meios de comunicação e a violência contra a mulher?

Maria da Penha – Realmente acho que a superexposição existe, mas não podemos esquecer o contexto, isso faz parte do modelo machista de nossa sociedade, na qual a mulher está sempre na vitrine, para chamar a atenção e para servir o homem. Essa desconstrução se dá de forma lenta e gradual. Esse aspecto deve ser trabalhado com persistência, como, por exemplo, com a elaboração de políticas públicas como forma de empoderar as mulheres para que elas possam conhecer seus direitos e desenvolver suas potencialidades nas áreas profissionais, sociais culturais e afetivas.

Mulier – Normalmente, o discurso mais comum na sociedade, inclusive entre as mulheres, é co-responsabilizar as mulheres pelos atos de que são vítimas. O que pensa sobre? Isso é verdade? 

Maria da Penha – É verdade. Eu mesma já passei por uma situação assim, em que fui perguntada sobre o que eu tinha feito para merecer aquele tiro.

Mulier – Você atribui algum papel à família e à escola na prevenção e/ou na reprodução de tratamento violento imposto à mulher?

Maria da Penha - Bem, esse é um fator sociocultural que temos a consciência de que não se consegue mudar de um dia para o outro. Porém, a Lei Maria da Penha prevê a adoção, nos currículos escolares dos alunos das séries iniciais, de uma abordagem sobre gênero e relações entre homens e mulheres para que essas crianças aprendam, desde cedo, na escola, o respeito ao próximo e não reproduzam o modelo machista que impera na sociedade de que o homem manda e a mulher obedece. Hoje lutamos para que mais esse aspecto da Lei Maria da Penha seja colocado em prática. E a família é o primeiro elo do indivíduo com o mundo, é através dela que este indivíduo vai formar seus valores, crenças, seus conceitos e pré-conceitos. Então o papel da família é incomensurável para a formação do indivíduo. E por isso é tão importante que exista harmonia, respeito e amor no seio familiar, para que esses valores sejam transmitidos aos filhos e assim por diante.

Mulier – Quais medidas poderiam ser tomadas efetivamente nas relações entre homens e mulheres para suprimir qualquer tipo de violência? O diálogo permanente pode ser um caminho?

Maria da Penha – Sim, esse é um excelente caminho, mas sabemos que o diálogo nem sempre é possível e, quando houver violência, a mulher deve denunciar. Assim ela estará protegendo ela e seus filhos. Quando a mulher denuncia, ela abre a perspectiva de uma vida melhor, sem medo, sem dor, mas para isso tem que dar o primeiro passo. Por isso é tão importante que as mulheres sejam informadas dos seus direitos, por isso é tão importante que os equipamentos que atendem a Lei como Casas Abrigo, Centros de Referência da Mulher, Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar e Delegacia da Mulher sejam criados, para essa mulher sentir-se protegida ao procurar ajuda.

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