Maioria da população acha que a publicidade na TV não mostra a mulher real

18 de março de 2015 Comente »
Maioria da população acha que a publicidade na TV não mostra a mulher real

Jornal Mulier – Outubro de 2013, Nº 117

Pesquisa revela que padrão de beleza na propaganda de TV é bem distante das características das brasileiras, e isso causa frustração

Segundo a pesquisa “Representações das mulheres nas propagandas de TV”, realizada pelos Institutos Data Popular e Patrícia Galvão, a maioria das pessoas entrevistadas não acredita que as propagandas na TV mostram a mulher da vida real e aquelas que, além de ser esposa e mãe, também trabalham e estudam.

Em resposta à pergunta: “As propagandas na TV usam o corpo da mulher como chamariz para promover a venda de produtos e serviços?”, 84% concordaram, assim como para 65% as propagandas na TV mostram um padrão de beleza muito distante da realidade da brasileira, causando frustração nas mulheres quando estas não conseguem ter o corpo e a beleza veiculados, afirmam 60% das(os) entrevistadas(os).

A pesquisa adotou uma metodologia interessante ao perguntar como as pessoas veem as características das mulheres reais no seu dia a dia, como observam esta realidade na publicidade e de que forma gostariam de vê-las na propaganda de TV. As respostas mostram que as pessoas gostariam de ver na propaganda os mesmos padrões observados na realidade, apesar de não encontrarem tais modelos nos comerciais.

A maioria das pessoas ouvidas disse querer ver mais mulheres negras (51%), morenas (67%) (em contraste com as loiras), mais mulheres com cabelos crespos e cacheados (53%) (diferentemente dos lisos), mais mulheres com olhos escuros (56%) (em comparação aos olhos claros).

pesq1

Ao comentar a pesquisa, a diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão, Jacira Melo, disse que “a publicidade continua na contramão das mulheres. Nunca na história as mulheres conquistaram tantos direitos e reconhecimento nos espaços público e privado. As mulheres brasileiras apresentam índices cada vez mais altos de escolaridade, uma participação significativa no mercado de trabalho e um grande poder de decisão na hora de consumir. A sociedade reconhece que elas são parte fundamental dos esforços para que se alcancem o desenvolvimento sustentável e a justiça social. Mas ainda falta muito a conquistar, em especial respeito e poder”. Segundo Jacira, “a publicidade precisa entender que as mulheres têm corpo, beleza, mas também têm inteligência”.

A explicação para o ideal estético utilizado pela mídia, tão diferente daquele padrão real, e tão difícil de ser alcançado, explica-se, afirma Jacira, pelo objetivo de tornar a mulher brasileira uma presa fácil de todo tipo de produto estético, em especial os que prometem milagres. “Sabe-se que a frustração feminina com a própria imagem e a consequente busca por uma aparência mais próxima dos padrões repetidos à exaustão pela mídia alimentam poderosas indústrias de todo tipo de produto”.

Além disso, “ao reforçar estereótipos negativos da figura feminina – a representação que opera no plano de uma ‘mulher símbolo’, de uma ‘mulher ideal’, de uma ‘mulher ilusão’, de uma ‘mulher perfeita’, sem vontade, sem autonomia e a serviço dos desejos masculinos –, a publicidade promove efeitos pedagógicos altamente negativos sobre as futuras gerações com peças publicitárias de grande apelo junto ao público jovem” ressalta Melo.

A questão é contraditória e representa um problema para os próprios anunciantes, defende Renato Meirelles, diretor do Instituto Data Popular. Para ele, não se trata de ser politicamente correto ou incorreto, mas de ter uma comunicação eficiente. “A mulher brasileira está envelhecendo, é majoritariamente negra e tem muito mais curvas que a média das mulheres do mundo. Mas as agências de publicidade trabalham com um ideal de beleza do passado, de mulheres altas, magras, loiras e de olhos claros. E essa nova mulher brasileira não se vê em nenhum tipo de comunicação que não a represente”.

cervejasmulheres

Há uma miopia das agências de publicidade, acredita Meirelles, agências “que têm entre os seus criativos, em boa parte, homens que dialogam com o universo masculino e ainda acreditam que a aspiração dessa nova mulher é ser como as europeias: altas, brancas, cabelos lisos. Não entendem que, junto com a renda, aumentou também a autoestima dessas mulheres, e elas querem se ver representadas nos meios de comunicação”. É esta mulher, segundo Renato Meirelles, que nos últimos anos, mudou o Brasil, (e não a classe C).

“A mulher que, nos últimos 20 anos, enquanto percentual da população, cresceu 36% e aumentou sua participação no mercado de trabalho em 162%”. Esta parcela da população movimenta R$ 1,1 trilhão por ano e determina 85% do consumo da família. Para Meirelles, “não estamos falando de um nicho consumidor, mas do principal mercado consumidor brasileiro. Então, para conquistar essa nova mulher, a função da propaganda é, em primeiro lugar, criar identidade; em segundo lugar, inspirar essa mulher a melhorar de vida, se sentir mais bonita e feliz; e, em terceiro lugar, gerar propaganda boca a boca”.

Meirelles lembra empresas que sabem usar as informações atuais, a exemplo de uma famosa marca de produtos de higiene e beleza e outra de departamento que passaram a ter mulheres gordinhas como garotas propagandas em seus comerciais. Jacira Melo cita empresas e bancos federais, adeptos das cores e imagens de brasilidade em suas campanhas publicitárias.

Quando a propaganda não consegue se adequar, fazendo crescer a insatisfação, os próprios meios de comunicação podem se revelar um espaço interessante para discutir o problema, lembra Mara Vidal, vice-diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão. Segundo ela, hoje, felizmente, a internet e as redes sociais nos possibilitam fazer esse diálogo crítico.

Vidal cita como exemplo recente propaganda de uma marca de cosméticos e perfumaria que não tinha nenhuma mulher negra e mostrava um perfil de consumidora da marca americanizado. O comercial saiu da televisão depois de uma enxurrada de críticas pelas redes sociais e de uma campanha na web por boicote à marca.

Segundo Mara Vidal, muitas vezes estas discussões são vistas como posturas militantes, “mas a pesquisa mostrou também que um percentual muito acima dos 51% negros da população veem que as propagandas na TV não mostram a mulher real e, especialmente, não mostram a mulher negra. Porque as pessoas estão dialogando sobre isso. Além disso, a gente vive no mundo real. E as pessoas estão percebendo que há uma distância entre esse estereótipo e o mundo real”, conclui.

É permitida a reprodução de conteúdo do site para fins não comerciais, desde que citada a fonte: Jornal Mulier – www.jornalmulier.com.br.

Deixe um comentário