Leandro Feitosa Andrade e Sérgio Flávio Barbosa – coordenadores de grupos reflexivos com homens autores de violência contra a mulher

3 de março de 2013 2 Comentários »
Leandro Feitosa Andrade e Sérgio Flávio Barbosa – coordenadores de grupos reflexivos com homens autores de violência contra a mulher

Foto: Leandro Feitosa

Jornal Mulier – Novembro de 2010, Nº 82

Segundo os entrevistados, a reincidência de atos de violência contra a mulher é mínima entre os homens que participam dos grupos reflexivos

Mulier – Gostaria que falassem um pouco sobre suas trajetórias pessoal e profissional?

Sérgio – Minha inserção no universo de gênero se deu com o trabalho desenvolvido na cidade de São Paulo, no final da década de 1980, com profissionais do sexo (prostitutas, travestis) na região central. Foi uma experiência pessoal e profissional muito enriquecedora, pois estava concluindo meu curso de Filosofia e já entrando no mestrado quando percebi que era necessário direcionar minhas energias para compreender a questão da desigualdade de poder entre homens e mulheres ou o masculino e o feminino. Nesta sequência, comecei a prestar atenção na população masculina que frequentava a zona de prostituição, quando fui convidado a desenvolver um projeto voltado para a população masculina no ABC paulista. Em 1993, passei a desenvolver projetos para o desenvolvimento de ações voltadas para a população masculina, trabalhando com os temas sexualidade, prevenção DST/AIDS, paternidade, violência. O ABC foi o pioneiro a incluir em suas pautas de discussões públicas a necessidade da inclusão de ações voltadas para a população masculina. O projeto foi merecedor de vários prêmios e também pioneiro na discussão sobre políticas públicas de prevenção da violência para a população masculina. Lá aconteceram os primeiros grupos de homens a partir de uma discussão de gênero, para que houvesse uma responsabilização e mudança de paradigmas masculinos.

Leandro – Atuo na área social na perspectiva de gênero desde a graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) na década de 1990. Os primeiros projetos que desenvolvi foram com mulheres e travestis em situação de prostituição. As intervenções duraram mais de 10 anos nas áreas de prevenção de DST/AIDS, da violência policial, organização e luta por direitos. Trabalhei em pesquisas sobre abuso incestuoso e violência doméstica com a professora Heleieth Saffioti. Na pós-graduação, obtive o título de doutor em Psicologia Social com pesquisa sobre prostituição infanto-juvenil na mídia. Desde 2001, trabalho como professor universitário na Faculdades Metropolitanas Unidas – (FMU) e em programa de ação afirmativa na Fundação Carlos Chagas (2002). Desde 2006, coordeno, em parceria com o Sérgio, grupos de homens autores de violência contra mulheres, realizo atividades sobre masculinidades e colaboro na organização da campanha do Laço Branco, capacitação em gênero e violência de gênero. Ambos realizam o trabalho com os homens por meio do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde. O Coletivo é uma Organização não governamental que desenvolve, desde 1985, um trabalho de atenção primária à saúde da mulher com uma perspectiva feminista e humanizada e tem convênio com prefeituras e secretarias para treinamento na área de atendimento à violência, anticoncepção, saúde sexual, além de parceria com o 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher para realização de grupos reflexivos com homens autores de violência. (www.mulheres.org.br).

Mulier – O que são os grupos reflexivos para homens?

Sérgio e Leandro – Os grupos reflexivos são formados por homens que entraram em uma situação de violência. O grupo reflexivo é uma metodologia que, segundo nossas reflexões, também tem uma importante vantagem, pois se consideramos o sistema de cumplicidade como tópico presente na construção da masculinidade hegemônica, observamos que no grupo aberto os participantes têm menos chance de desenvolver um sistema de aliança que pode criar resistências e impedir as ações dos coordenadores do grupo. Outra experiência positiva do grupo aberto foi o retorno espontâneo de alguns homens ao programa. Apesar desta situação acontecer esporadicamente, este fato indica uma forma de referendar a contribuição que o grupo pode propiciar, principalmente como suporte para a resolução de conflitos de forma não violenta.

Mulier – Quando surgiram os grupos em São Caetano do Sul, na grande São Paulo, e como é o trabalho desenvolvido?

Sérgio e Leandro – No mesmo ano da aprovação da Lei Maria da Penha, em novembro de 2006. O trabalho surgiu da parceria do Fórum de São Caetano do Sul a pedido do juiz. A ideia era receber homens autuados pela Lei Maria da Penha com perfil para participar, o que foi denominado grupo reflexivo. Entendida como uma medida sócio-educativa, o grupo reflexivo tem como principal enfoque a discussão das masculinidades e a violência de gênero. Os grupos vêm servindo como um espaço de socialização masculina, para discutir e questionar o modelo patriarcal machista e o uso da violência na resolução de conflitos, entre outros temas, como sexualidade, saúde do homem, prevenção de DST/AIDS, trabalho, educação de filhos, etc. Em 2009, finalizado o trabalho em São Caetano, iniciamos uma nova parceria com o 1º Juizado de Violência Doméstica e Contra a Mulher no Fórum Criminal da Barra Funda na cidade de São Paulo. Em São Caetano, os grupos eram semanais, com duas horas de duração, em São Paulo, quinzenais, em ambos, por um prazo de até seis meses de duração. Nos dois casos a presença era obrigatória, com informes de presença e de participação aos Fóruns.

Mulier – Existe reincidência de violência entre os homens participantes? Caso a resposta seja positiva, qual o nível de reincidência?

Sérgio e Leandro - Dos quase 100 homens que passaram pelos grupos apenas soubemos de um caso de reincidência. A participação no grupo reflexivo, de fato, faz com que os homens saiam pelo menos com possibilidades de questionamento ao modelo machista e ao uso da violência e com alternativas às situações de conflito.

Mulier – Os grupos são bem aceitos pelos homens, famílias e a sociedade? Quais os maiores desafios?

Sérgio e Leandro – O nosso principal contato é com os homens. Em geral, eles chegam raivosos, indignados e revoltados. Acham-se injustiçados e, na maioria das vezes, não assumem ou minimizam a violência cometida contra a mulher. A resistência diminui logo nos primeiros encontros, com adesão e interesse de permanecerem no grupo após o período obrigatório. Expressam e informam a mudança de comportamento e o interesse de relacionamentos com base na equidade social.

Mulier – Baseado em suas experiências profissionais, quais os principais motivos que levam homens a agredir mulheres?

Sérgio e Leandro – O colapso das estratégias machistas de controle da mulher. A violência é a última estratégia de dominação de um sistema baseado na desigualdade de gênero.

Mulier – Antes da Lei Maria da Penha, vocês já desenvolviam trabalho parecido ou conheciam alguma iniciativa parecida?

Sérgio e Leandro – Sim, o trabalho era desenvolvido no ABC Paulista de forma preventiva em comunidades ou projetos sociais ligados aos serviços públicos. Para que o homem agressor não ficasse só no pagamento de uma multa ou prestação de serviço ou de uma doação de cesta básica, o promotor determinava que ele frequentasse um núcleo de atividades para compreender o que é machismo e violência. O projeto foi pioneiro em ofertar atividades educativas e sociais para a diminuição e erradicação da violência contra as mulheres.

Mulier – Vocês têm conhecimento de grupos do tipo em outros países na América do Sul, Caribe, Europa ou outras regiões?

Sérgio e Leandro – Há grupos no Rio de Janeiro, Mato Grosso, São Paulo, Minas Gerais e Distrito Federal que conhecemos. Os primeiros grupos surgiram nos Estados Unidos, Canadá, França e Espanha. Há uma forte experiência na Austrália e na Nova Zelândia.

Mulier – Como veem a aplicação da Lei Maria da Penha, em termos de avanços e necessidade de ajustes?

Sérgio e Leandro – O principal avanço é o reconhecimento da violência doméstica e contra a mulher como um crime contra os direitos humanos das mulheres. Na Lei 9.099 a violência contra a mulher era tratada como de menor poder ofensivo. O homem autor de violência tinha como pena a distribuição de cesta básica e trabalhos comunitários. A Lei Maria da Penha já apresenta diversos questionamentos e precisa, antes de tudo, de melhores condições para execução das penas, principalmente na criação dos fóruns de violência doméstica e contra a mulher, capacitação dos operadores do Direito na perspectiva de gênero e violência de gênero, a criação de mais modelos sócio-educativos para prevenção e para o cumprimento da pena, como os grupos reflexivos. Existe ainda uma mentalidade na sociedade em geral e no movimento feminista, em particular, que só a punição, com prisão, pode conter a violência. Há muito, as pesquisas comprovam a banalização da violência contra as mulheres e a necessidade de uma perspectiva de desconstrução da lógica patriarcal machista como medida eficaz para diminuição dos índices de violência.

Mulier – Ano a ano a Secretaria de Políticas para as Mulheres, através da Central de Atendimento Ligue 180, tem mostrado aumento no número de denúncias de violência contra a mulher. Qual a opinião de vocês, seria um aumento da violência ou maior coragem das mulheres em denunciar?

Sérgio e Leandro – Os dois. A não aceitação das mulheres da violência por parte dos homens vem mobilizando, cada vez mais cedo, as mulheres a buscarem seus direitos e a contenção da violência. Por outro lado, o questionamento das mulheres faz com que os homens se sintam ameaçados e questionados em sua perspectiva machista e utilizem como recurso extremo a violência contra as mulheres para a manutenção do relacionamento com base no controle autoritário e na dominação.

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2 Comentários

  1. Maria Socorro Pereira Miranda agosto 22, 2014 at 0:54 - Reply

    Em 1993, iniciei um cuso sobre prevenção em saúde da mulher por 2 anos.Minhas atividades com a população nesta época, eram mais voltadas a militância partidária. Este curso tinha um formato na linha da prevenção e ao finalizar o curso eu ja estava desenvolvendo trabalhos com grupos de lideranças comunitárias na linha de prevenção em saúde da mulher e DST/AIDS. Foi então, em uma tarde de sábado na minha comunidade, que tentei agrupar alguns homens para discutir a prevenção em DST/AIDS. Era então minha primeira tentativa em agrupar homens para um palestrante chamado Sérgio Flavio Barbosa. Naquele dia, vieram um pouco mais de 4 homens, mas, não foi motivo para desistência. Lembrome de outra esperiencia em báres no projeto “Mulheres também pegam AIDS” em 96, as oficininas temáticas eram desenvolvidas nos lugares mais inimaginários, bêcos, pequenos báres que agrupavam homens dos futebol de varseas, associações salão de igrejas etc.A medida que desenvolviamos os grupos com mulheres, mais aumentava a possibilidade de trabalhar com os homens e assim por diante.Não consigo me imaginar hoje, sem ésta proximidade com a população e Sérgio e outros educadores e educadoras tiveram um papél fundamental na minha vida profissional. a partir destas experiencias, passei a buscar cursos que me apoiasem na minha formação como educadora social. Em meádos dos anos 90 na região do ABC, os movimentos de mulhers ganhavam força e visibilidade, este foi um marco na região para aprofundar as discuções de gênero que ja vinham sendo discutidas esporádicas. A visibilidade e discurssão na pespectiva de gênero ganharam força academica. O Sérgio Contribuiu muito para este fortalecimento e visibilidade e por fim na virada do milênio, inicio-se uma força maior com olhar sobre a violência Contra Mulher com foco na pespectiva de gênero e a questão masculinidade. Novamente o Sérgio foi pioneiro em consolidar a discussão com homens agressores com esta pespectiva na região do ABC. Tenho satisfação em memorizar esta trajetória de vida diferente , mostrando que o diferente não precisa ser desigual quando se trabalha com ésta pespectiva.
    Gostei muito de trabalhar com o Sérgio , foi um grande apredizado. Hoje sou funcionária pública, e continuo desenvolvendo trabalhos com mulheres, técnicos/as trabalhadores/as do setor público.
    Sem mais. Sérgio, Saudades!!!!!
    Maria Socorro Pereira Miranda
    Secretaria de Cidadania e Ação Social
    Departamento de Políticas Afirmativas
    Presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher do Município de Mauá.

  2. negócios lucrativos no rio de janeiro novembro 29, 2017 at 15:04 - Reply

    Ótimo artigo! Já visitei o teu site antes, entretanto esta é a primeira
    vez que deixo um comentário. Coloquei teu blog nos favoritos para
    não perder nenhuma atualização. Abração!

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