Jesus tinha nas mulheres um exemplo para seus ensinamentos

2 de março de 2013 Comente »
Jesus tinha nas mulheres um exemplo para seus ensinamentos

Imagem: Quadro “Lamentação”, de Giotto, 1304-1313 – Reprodução

Jornal Mulier – Dezembro de 2004, Nº 11

Há dois milênios, a vida e os ensinamentos de Jesus mudaram a história do mundo e são a própria base de nossa civilização ocidental. Mas, além dos relatos dos Evangelhos, sabe-se muito pouco sobre este personagem. Estudiosos e homens de fé cristã reconhecem que os Evangelhos oficiais da Igreja (Marcos, Mateus, Lucas e João) guardam muitas contradições, sendo mais um relato de fé do que História. Para resolver estas questões, as próprias instituições religiosas financiam estudos na tentativa de adequar a ciência ao chamado Jesus Histórico. Entretanto, é tão grande a mística sobre a biografia de Jesus, que muitos chegam a desaconselhar qualquer pesquisa, já que os valores humanísticos deixados pelo cristianismo são indiscutíveis.

Durante os séculos, pintores, escultores, escritores, cineastas, filósofos e teólogos descreveram Jesus cada qual a seu modo. De vítima sofredora, pregado pelo cristianismo convencional, a líder revolucionário, segundo os textos da Teologia da Libertação, talvez este último adjetivo seja o mais adequado quando analisamos as atitudes de Jesus frente à sociedade de sua época.

Segundo o escritor Juan Arias, “o aspecto mais revolucionário do profeta de Nazaré foi, sem dúvida, a relação aberta que ele manteve com as mulheres, numa época e no seio de uma religião, como a judaica, em que a mulher era vista como um ser inferior e à inteira disposição do homem”. Jesus rompe com os tabus vigentes numa época em que as mulheres não podiam ser colocadas no mesmo plano dos homens, não aceitando a sua situação de inferioridade e tratando-as de igual para igual.

No tempo de Jesus, a situação da mulher judia era estar relegada ao mundo doméstico, totalmente reclusa. Era proibido ensinar-lhe as Escrituras, não podia testemunhar nos tribunais, pois suas palavras não tinham validade, não tinham direito de receber herança. O divórcio não era permitido e, em caso de viuvez, a mulher era passada à tutela do cunhado. Sendo este solteiro, devia casar-se com ele. A mulher flagrada em adultério era condenada à morte por apedrejamento público. Perguntado pelos fariseus se era permitido repudiar sua mulher por qualquer motivo, Jesus respondeu: “Não lestes que o criador, desde a origem, os fez homem e mulher e disse: assim então o homem deixará seu pai e sua mãe para ligar-se a sua mulher e os dois farão uma só carne? Assim eles são mais duas, mas uma só carne” (Mateus 19: 1-9 e Marcos 10: 1-9).

Jesus defendeu com seus gestos a igualdade das mulheres com os homens: costumava fazê-las motivo de suas parábolas e, muitas vezes, as tomava como exemplo para os homens. É elucidativo o caso da mulher que ungiu os pés e o cabelo de Jesus com essências preciosas. Os apóstolos presentes irritaram-se dizendo: seria melhor gastar o dinheiro daquele bálsamo com os pobres. Jesus repreendeu-os, afirmando que aquela mulher intuíra melhor do que seus próprios discípulos o que ele representava, sabendo que logo seu corpo seria sacrificado. Do ponto de vista simbólico, lavar os pés de alguém é devolver-lhe sua dimensão humana, é recolocá-lo de pé. Lavar os pés de uma pessoa simboliza colocar-se aos pés da mesma para ajudá-la a reerguer-se. É interessante ressaltar que Jesus aprendeu de uma mulher, Maria Madalena, o gesto de lavar os pés de seus discípulos. O episódio bíblico da Última Ceia acontece depois de outro: Maria Madalena lavando os pés de Jesus com suas lágrimas e enxugando-os com seus cabelos. Jesus não deixava passar oportunidades como esta para exaltar qualidades femininas, como a sensibilidade e a inteligência, e para mostrar que a mulher não era inferior ao homem.

O episódio citado também mostra como até os próprios apóstolos estranhavam e, muitas vezes, até se escandalizavam com as atitudes libertárias de seu mestre para com as mulheres, uma categoria que também por parte deles merecia pouca consideração.

Esta defesa da mulher e o fato de colocá-la como exemplo para os homens incomodavam os sacerdotes. Para provocá-lo, é conhecido o episódio da mulher adúltera levada a seus pés. Os sacerdotes, querendo saber se ele atreveria a defendê-la, não só viram Jesus absorvendo-a de seu pecado, como foram submetidos ao ridículo quando Jesus disse para que a apedrejassem apenas aqueles limpos de pecado. Esta cena do Evangelho é tão forte que só depois do Concílio de Trento (1545 a 1563) passou a fazer parte dos Evangelhos Canônicos. Até então ela sempre tinha sido censurada.

A defesa da mulher flagrada em adultério se relaciona a outra questão polêmica para Jesus: a permissão para o divórcio apenas aos homens. Ele questionava o fato da mulher ser a vítima, a parte discriminada e que sempre saia perdendo, vivendo à mercê da decisão do marido de desfazer-se ou não dela, ainda mais porque não lhe era permitido refazer sua vida, tendo de ficar sob tutela da família. Para ele, o homem não devia repudiar e expulsar sua mulher de casa, uma vez que esse mesmo direito não era concedido às mulheres.

Jesus não só defendia as mulheres como conversava e cercava-se delas, considerando-as como pessoas inteiras, sobretudo quando são desprezadas, como no caso da samaritana – que mulher e pecadora – foi incumbida de anunciá-lo em seu povoado para que pudesse recebê-lo como profeta, sendo considerada a primeira missionária do cristianismo. Como se vê, Jesus também associa a figura feminina a sua atividade de pregação. Varias mulheres o acompanhavam junto com os apóstolos e são fiéis a ele até a cruz. Há algum tempo, a revista norte-americana “Newsweek” reafirmou a importância de Maria Madalena como uma discípula de coragem e caráter para amparar Jesus em sua agonia enquanto os apóstolos se escondiam, o que lhe valeu o privilégio de ser a primeira testemunha da ressurreição.

Para Juan Arias, o profeta de Nazaré intuiu que a mulher é o símbolo mais visível do rosto compassivo e não vingativo de Deus e, por isso mesmo, temível e perigosa para o poder. Jesus a defendeu contra todos os poderes, e elas amaram-no mais que a ninguém. Entretanto, para o historiador Jean Delumeau, a Igreja teve dificuldade em passar da teoria à prática. A igualdade preconizada pelo Evangelho cedeu diante dos obstáculos de fato, nascidos do contexto cultural no qual o cristianismo se difundiu no Oriente Médio e na Europa Ocidental da Idade Média.

Fontes

ARIAS, Juan. “Jesus: esse grande desconhecido”. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

LELOUP, Jean-Yves. “O corpo e seus símbolos: uma antropologia essencial”. Petrópolis: Vozes, 1998.

DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente: 1300-1800. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

Revista “Super Interessante”, abril de 1996.

Revista “Globo Ciência”, dezembro de 1997.

Revista “Carta Capital”, 10/12/1/2003.

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