Estudos traçam retrato da prostituição no mundo

2 de março de 2013 Comente »
Estudos traçam retrato da prostituição no mundo

Foto: Desenho de Emerson, Wajdowicz Studios, para a Conferência Mundial de Direitos Humanos em Viena, 1993.  Nova Iorque, Unifem- Reprodução. 

Jornal Mulier – Fevereiro de 2012, Nº 97

Entre os mais de 40 milhões que se prostituem, maior preocupação é a exploração sexual de crianças e adolescentes

Recentes estudos de uma fundação francesa e duas ONGs espanholas revelam as características da prostituição na atualidade. Baseado na situação de 30 países, a Fundação Scelles, da França, está publicando em livro o “Relatório Mundial sobre a Exploração Sexual – a prostituição no coração do crime organizado”, afirmando que mais de 40 milhões de pessoas se prostituem no mundo. A grande maioria é mulheres, 75%, jovens com idade entre 13 e 25 anos, 90% ligadas a cafetões. O documento ressalta que uma das principais características da prostituição nos dias atuais é o grande número de crianças exploradas sexualmente, numa estimativa de 2 milhões, muitas vítimas de tráfico humano.

O contexto europeu de crise econômica

Apesar da Europa normalmente receber prostitutas de fora, em alguns países atingidos por medidas de austeridade econômica, devido à crise econômica generalizada na zona do euro, é crescente o número de jovens europeias que recorrem à prostituição para financiar os próprios estudos. Tal constatação foi feita pela União Nacional de Estudantes Britânica. A entidade responsabiliza o corte de ajuda de custo oferecida pelo governo a estudantes universitários e o aumento dos preços de anuidades e do custo de vida na Inglaterra.

E, devido à crise econômica, também aumentou substancialmente a prostituição masculina, de acordo com relatório do Coletivo de Lésbicas, Gays, Transexuais e Bissexuais de Madri. Desde 2007, início da crise financeira que atinge a Espanha, a prostituição masculina triplicou. São jovens, 30% deles com menos de 20 anos, 85% heterossexuais, que ocupam locais específicos de trabalho de acordo com a nacionalidade. Africanos (marroquinos, em sua maioria) e europeus do leste (romenos, russos e búlgaros) oferecem serviços nas ruas, já os brasileiros trabalham em saunas. Diferentemente da exploração sexual de mulheres, no caso masculino os estrangeiros que exercem prostituição na Espanha já têm a intenção de trabalhar no setor e dispensam intermediários. As mulheres são em sua maioria vítimas de quadrilhas de tráfico de pessoas e chegam ao país enganadas por falsas promessas de trabalho.

Tráfico de mulheres

Até há pouco tempo, após o desmanche da União Soviética, a maioria das prostitutas na Europa era originária do Leste Europeu e de ex-repúblicas soviéticas. No entanto, essa tendência tem diminuído, segundo o documento francês. O elemento marcante na Europa é a multiplicação de prostitutas vindas de variados países, normalmente controladas por quadrilhas que as fazem circular por todo o continente.

Como afirma o estudo da ONG Rede Espanhola contra o Tráfico de Pessoas,  cerca de 1 milhão de pessoas que chegam a Europa são obrigadas a se prostituírem. Desembarcam no continente com promessas de outros tipos de emprego, mas na verdade são traficadas. Como não conseguem pagar as despesas da viagem, ficam reféns de quadrilhas de traficantes. Desse total, 90% passam por diversos bordéis, na Espanha, Itália, Grécia, Alemanha, Bélgica, Holanda, Suíça e Portugal, sendo revendidas.

A revenda de mulheres aumentou 50% nos últimos cinco anos e movimenta cerca de US$ 7 bilhões anuais, aproximadamente R$ 12 bilhões. Na Espanha, por exemplo, uma mulher é vendida entre R$ 2 mil e R$ 7,5 mil de acordo com a idade, características físicas e experiência. Quanto mais jovem, mais cara, e isso tem levado ao maior aliciamento de menores pelas redes, muitas meninas vendidas até pela própria família ou namorados. Quando a demanda dos clientes muda, a “mercadoria” é renovada, e a mulher é revendida como novidade para outra rede, circulando por todo o continente. Segundo a pesquisa, 28 dias é o tempo médio de uma prostituta em um bordel.

Segundo o estudo da Fundação Scelles, o maior número de vítimas do tráfico de seres humanos para fins de exploração sexual está concentrado na Ásia, representando 56% dos casos. O aumento do comércio de mulheres acontece cada vez mais em consonância com as máfias de tráfico de drogas, com experiência e redes estabelecidas de distribuição de “mercadorias”. Parece ser menos arriscado vender mulheres a entorpecentes, pois as leis são frágeis e o assunto é ignorado pela sociedade.

Brasileiras aliciadas

O relatório francês revela que estaria aumentando o número de brasileiras exploradas sexualmente na Europa, apesar de não citar números. São mulheres vindas de regiões mais pobres do Brasil, do Norte, como Amazonas, Pará, Roraima e Amapá. Já a ONG espanhola traça um perfil das brasileiras exploradas por máfias: elas têm entre 20 e 45 anos, baixo nível socioeconômico e deixam filhos no Brasil. Costumam entrar com visto de turistas através de Portugal, Espanha, França, Suíça e Holanda, sendo cooptadas em suas cidades de origem. Goiânia é conhecida por ser o maior foco de aliciamento.

A Fundação Scelles alerta que grandes eventos, como Copa do Mundo e Olimpíadas, são estimuladores da prostituição e exploração sexual ao permitirem às redes criminosas aumentarem suas ofertas de mulheres. A Copa do Mundo de Futebol de 2010 da África do Sul é citada. Na época, para enfrentar possíveis riscos sanitários, o governo encomendou 1 bilhão de camisinhas para distribuição durante o evento. O número de prostitutas no país, estimado em 100 mil, chegou a aumentar em 40 mil no período.

Outra forma de ampliar a prostituição é a Internet, já que as redes de aliciadores têm cooptado pessoas, principalmente jovens, por redes sociais, como Twitter e Facebook. Meninas e adolescentes, principalmente, são conectadas por traficantes, que oferecem falsas promessas de emprego como modelo, enganando as mesmas e fazendo com que também recrutem outras amigas jovens.

O “Relatório Mundial sobre a Exploração Sexual” alerta para uma certa “glamourização” da prostituição, pois esta não está associada ao “direito” de dispor livremente do corpo, nem com o “direito” à livre manifestação da sexualidade. “Nas mãos de uma criminalidade perigosa, dominada por uma violência sem precedentes, violência física, sexual, psicológica, social (…) a prostituição é um atentado à integridade do ser humano e uma escandalosa exploração de situações de vulnerabilidade”.

No Brasil, a boa notícia é que a preocupação com a exploração sexual de crianças e adolescentes e com o tráfico de pessoas parece estar entrando na agenda política. No último dia 3 de fevereiro, nos primeiros dias da retomada dos trabalhos parlamentares do ano, foram assinados atos de criação de comissões parlamentares de inquérito (CPIs) para investigar o tráfico de pessoas, a exploração sexual de menores e o trabalho escravo.

Fontes

www2.camara.gov.br

www.bbc.co.uk/portuguese

www.fondationscelles.org/

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