Elisângela Pereira da Silva – psicóloga especialista em sexualidade

2 de março de 2013 Comente »
Elisângela Pereira da Silva – psicóloga especialista em sexualidade

Jornal Mulier – Maio de 2007, Nº 40

Sexóloga Elisângela Pereira da Silva afirma que a mulher brasileira fantasia bastante, mas ainda tem vergonha do próprio corpo 

Elisângela Pereira da Silva é psicóloga clínica graduada pela Universidade Federal de Juiz de Fora e especialista em sexualidade humana pela Estácio de Sá do Rio de Janeiro.

Mulier – De acordo com a Pesquisa Nacional da Fundação Perseu Abramo de 2001, “A Mulher Brasileira nos Espaços Público e Privado”, 79% das mulheres entrevistadas declararam estar satisfeitas com sua vida sexual. O que você acha disso? 

Elisângela – Acredito que este resultado mascare um pouco a realidade. Ouço todos os dias mulheres queixando-se de sua vida sexual. Segundo elas, faltam carinho, fantasia, desejo, cumplicidade, amor, conhecimento do próprio corpo. Fora mitos e tabus que fizeram parte de nosso repertório cultural e, infelizmente, ainda habitam a mente das mulheres, funcionando como excelentes inibidores de uma vida sexual satisfatória.

Mulier – Os dados podem reafirmar a ideia do brasileiro como um povo sensual e sexual? 

Elisângela – A questão é que o povo brasileiro não se permite afirmar o contrário. A dificuldade em verificar a fidedignidade das pesquisas na área da sexualidade é que as mulheres sempre têm muito desejo, são fogosas, capazes de inúmeros orgasmos múltiplos. Já os homens estão sempre dispostos, são incansáveis maratonistas sexuais, não “falham” nunca. Parece que, quando o tema é sexo, não é aceitável fracassar. Precisamos manter a fama, mesmo que não deitemos na cama.

Mulier – Como sexóloga, você acredita que a mulher brasileira exercita sua sexualidade plenamente? 

Elisângela – A mulher brasileira é uma guerreira: tem dupla jornada de trabalho, muitas vezes é a mantenedora do lar, é o sustentáculo afetivo da família. Mas nossas heroínas, apesar de fantasiarem bastante, ainda têm vergonha de seus corpos, não se arriscam em uma visita a um sex shop, não falam para os parceiros o que esperam deles na cama. Sabe aquela velha pergunta: “o que ele vai pensar de mim?”, ela ainda atormenta porque a mulher tem medo de ser julgada ou mal interpretada por seu parceiro, aí fica difícil exercitar plenamente a sexualidade.

Mulier – Segundo a pesquisa da Fundação Perseu Abramo, a vida sexual da brasileira tem começado, em média, aos 15 anos. Como vê essa realidade? 

Elisângela – Vejo com preocupação. Atualmente os adolescentes têm muita informação, mas não conseguem utilizá-la corretamente quando é necessário.

Mulier – E a iniciação sexual das gerações anteriores? 

Elisângela – A iniciação sexual das jovens de gerações anteriores também acontecia precocemente. Nossas bisavós e avós se casavam muito cedo. A diferença é que naquela época a primeira relação só se sucedia com a chancela do casamento. Hoje as mulheres casam bem mais tarde, mas existe o “culto” a não virgindade.

Mulier – As jovens convivem mais tranquilamente com a sua sexualidade?

Elisângela – Apesar de avanços como educação sexual na escola, Internet e outras formas de aquisição de conhecimento sobre questões ligadas à sexualidade humana, muitas jovens ainda se percebem confusas quando o tema é esse. Vejo que as jovens que mais tranquilamente convivem com assuntos de ordem sexual são aquelas que têm um bom relacionamento com os pais. Quando uma adolescente sente confiança e proteção nos pais, ela é capaz de dialogar com eles tirando dúvidas e esclarecendo situações (claro que existe um limite de privacidade que deve ser respeitado pelos pais, senão adeus confiança). Isso diminui a vulnerabilidade, contribuindo para a formação de um adulto sexualmente confiante e responsável.

Mulier – As relação sexuais consideradas socialmente legítimas e aceitáveis, como as relações heterossexuais e monogâmicas, ainda são influenciadas pelo amor romântico e pelo valor da reprodução?

 Elisângela – Sim. O amor romântico ainda é o mote que une a maioria dos casais, tenham essas orientações heterossexual ou homossexual. O desejo de ter filhos também influencia. Muitas pessoas abrem mão da tranquilidade da vida de solteiro quando percebem que para elas ser pai ou ser mãe é um desejo. Muitas usam o termo “completude”. É como se a paternidade fosse o fato que fechasse o ciclo, transmitindo a sensação de “missão cumprida”.

Mulier – A mulher já conseguiu desvincular satisfatoriamente sua vida sexual da vida reprodutiva? 

Elisângela – Certamente. A partir do surgimento da pílula anticoncepcional na década de 1950, a mulher começou a vivenciar a ideia de que era possível fazer sexo simplesmente por prazer, assim como os homens sempre o fizeram. Primeiro ela precisou se desvencilhar da culpa que essa ousadia gerava, afinal, culturalmente, desejo e prazer não configuram características de mulheres honradas. Hoje, depois de um lento processo, a mulher contemporânea já consegue definir, sem ônus da culpa, qual a finalidade do sexo no momento da relação: prazer ou procriação.

Mulier – O sexo pelo prazer, a prostituição e a homossexualidade foram colocados como pecado por várias religiões e como doença pelo discurso científico. Como você vê essas questões hoje no imaginário e nas práticas sexuais das brasileiras?

Elisângela – A religião sempre exerceu papel controlador em relação à sexualidade humana. A ciência equivocou-se a respeito de várias questões, a homossexualidade foi uma delas. Hoje, entretanto, sexo por prazer, homossexualidade, prostituição são temas que fazem parte do repertório imaginário e também das práticas sexuais das mulheres brasileiras. Elas buscam satisfação sexual, criam fantasias baseadas nas mais diversas fontes de inspiração e até já se permitem ter experiências com relações homossexuais.

Mulier – A AIDS trouxe impacto às práticas e relações sexuais? 

Elisângela – Certamente. Até a descoberta do HIV havia menos preocupação em relação às práticas e ao número de parceiros. A partir de 1984, a notícia de um vírus altamente resistente, mutante e sem a menor perspectiva de cura foi impactante. As pessoas modificaram alguns hábitos sexuais e perceberam a necessidade do uso do preservativo, mas os números de infectados no Brasil cresce a cada dia, principalmente entre as mulheres.

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