Cláudia de Pinho – pantaneira e bióloga

3 de março de 2013 Comente »
Cláudia de Pinho – pantaneira e bióloga

Jornal Mulier – Abril de 2011, Nº 87

Pantaneira afirma que as mulheres têm cada vez mais voz nas decisões coletivas que afetam diretamente as comunidades tradicionais e suas vidas

Mulier – Conte-nos sobre suas origem e formação.

Cláudia – Sou pantaneira, nasci em uma comunidade na fronteira Brasil/Bolívia chamada de Lagoa de Pedra, onde permaneci até os seis anos. Depois fui morar em Cáceres, no estado do Mato Grosso, para poder estudar, pois não tinham escolas na região, e minha mãe prezava muito os estudos. Tenho licenciatura plena em Ciências Biológicas e mestrado em Ciências Ambientais. Atuo como uma das coordenadoras da Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras e em outros movimentos socioambientais.

Mulier – Como vivem as mulheres pantaneiras, quais são suas principais atividades sociais e econômicas?

Cláudia – As mulheres pantaneiras desenvolvem atividades variadas, desde artesanato com tear (redes, bolsas, roupas), com fuxico, participam do trabalho de pesca, algumas de caça, e ainda atividades na pecuária e agricultura. Estão à frente nas festividades principalmente de santos. Na minha comunidade, até há pouco tempo, fazíamos a festa de São Sebastião dia 20 de janeiro, que foi interrompida pela morte dos meus avós. As mulheres geralmente são as rezadeiras e organizadoras das festas.

Mulier – Como se organizam politicamente?

Cláudia – Atualmente tem-se ampliado a participação das mulheres pantaneiras nas organizações sociais, como, por exemplo, na Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras, 70% são representações femininas oriundas das comunidades tradicionais. Além, é claro, de participarem diretamente da política partidária, elas têm cada vez mais voz nas decisões coletivas que afetam diretamente as comunidades e suas vidas.

Mulier – Como é a relação entre as comunidades tradicionais do Pantanal com os povos indígenas locais?

Cláudia – Temos relação muito próxima, pois a maioria dos desafios afeta a vida de todos os menos favorecidos. Nesse sentido, nós nos unimos em prol de minimizar ou solucionar os problemas, por meio do diálogo. Fazemos parte do Fórum Mato-grossense de Desenvolvimento e Meio Ambiente (FORMAD) e da Rede Mato-Grossense de Povos e Comunidades Tradicionais REMARCOMTRA, que atualmente tem buscado se fortalecer em prol da Política Estadual para Povos e Comunidades Tradicionais.

Mulier – O Pantanal é um reconhecido destino turístico brasileiro. Isso interfere na vida da população? De que forma?

Cláudia - Sim, pois não há o envolvimento da população local, não há políticas públicas de inclusão. Considero que o momento é propício para uma ampla discussão sobre o tema, tendo em vista a Copa do Pantanal, mas, até o momento, o que se têm são expectativas para um turismo realmente viável economicamente e sustentável socialmente.

Mulier – Você pesquisou a questão hídrica na região, a interação entre a sustentabilidade em relação ao rio Paraguai pelos representantes de seis grupos sociais da população local da cidade de Cáceres, no Mato Grosso: pescadores, pesquisadores, agente de governo, agente de navegação, agente de turismo e ONGs. Como é esta relação?

Cláudia – Pesquisei os olhares dos grupos sociais em relação ao rio Paraguai e, por meio deles, pude notar que muitas ações que são realizadas até mesmo no coletivo poderiam ser ampliadas para toda a sociedade. E que muitas delas têm se ampliado nos últimos anos, como a coleta de lixo antes do fechamento da pesca no período da Piracema, que conta com parceiros empresariais e estudantes e demais pessoas, preocupadas com o futuro do rio. Os grupos sociais ocupam variados espaços de articulação, desde conselhos municipais de meio ambiente até instâncias estaduais e federais. Isso possibilita que a cidade tenha múltiplos olhares com forças qualificadas em várias direções. No entanto, não quer dizer que a atuação seja plena e satisfatória, pois muitos fazem discussões e reflexões em seus próprios grupos. Há uma necessidade de criar espaços ou momentos coletivos para fortalecer essas relações e esses olhares para, assim, efetivar as políticas públicas.

Mulier – Todos os anos o Pantanal passa pelo fenômeno das cheias, quando as chuvas inundam boa parte das terras mais baixas. Como é este período para a população em geral, principalmente para as mulheres?

Cláudia – Nós que moramos no Pantanal conhecemos bem esse período. Todos os anos temos mais ou menos cheia, mas ela sempre acontece. As mulheres são grandes conhecedoras desse período, principalmente as das comunidades tradicionais. É quando se renovam as energias pantaneiras, os peixes vão para toda a extensão do rio, que ganha mais espaço, inundando campos e alargando seu leito, enquanto as pessoas presenciam o derramar de suas águas, mudam-se e levam os animais para a parte mais alta, respeitando a dinâmica do bioma. Na cidade, porém, as inundações têm deixado muita preocupação, pois lugares que antes não alagavam agora inundam todo ano. Isso se deve à falta de planejamento urbano. As cidades foram instituídas no meio do Pantanal e, com o passar dos anos, a população aumentou e ocupou áreas que eram encharcadas ou úmidas, não existindo um planejamento que levasse em conta essa situação.

Mulier – Este ano (2011), a cheia surpreendeu a população como temos notícia pelos meios de comunicação, em termos de volume de água e antecipação temporal. Em sua opinião, o fato tem relação com as mudanças climáticas que estamos acompanhando em todas as partes do mundo?

Cláudia – Sim, com certeza. O Pantanal é uma importante área para regular o ciclo hidrológico ou “pulso de inundação”. As mudanças climáticas têm afetado a sua dinâmica, que por sua vez afeta a vida de todas(os), não só de pantaneiras e pantaneiros. Estamos presenciando eventos extremos: longas estiagens por um lado, como aconteceu na Baía de Chacororé, e chuvas tardias e intensas que provocam alagamentos por outro lado. O meu pai diz que não se pode mais confiar no tempo, que a natureza está nos respondendo, estamos colhendo o fruto de nossas ações.

Mulier – Como as mudanças climáticas podem mudar a paisagem pantaneira e influenciar a vida da população?

Cláudia – A população depende diretamente do Pantanal para sua sobrevivência. Sem o Pantanal não há pantaneiras/pantaneiros. Com as mudanças na paisagem e na dinâmica do bioma, que já estamos sentindo, atividades de subsistências, agrícolas, pecuária e outras ficam ameaçadas. Há lugares como baías que eram permanentemente alagadas, que nunca tinham secado, e, na última estiagem, secaram. Nesses lugares, as pessoas costumavam pescar e agora têm que ir mais longe para pegar o peixe. O ambiente muda e, com ele, a pantaneira e o pantaneiro mudam para se adequar a novas situações.

Mulier – Você trabalha com educação ambiental. Como professoras e professores podem trabalhar a sustentabilidade em sala de aula?

Cláudia – É necessário, em primeiro lugar, que acreditem ser possível uma mudança de atitude a partir da escola e das ações nelas desenvolvidas. A partir daí, pode-se priorizar questões para trabalhar atividades de sensibilização e práticas cotidianas com os alunos, pois só falar em sustentabilidade não é uma tarefa fácil. A professora e o professor têm um papel importante na educação, são o ponto de apoio, até mesmo para possibilitar uma reflexão e um envolvimento sobre a realidade da escola e seus alunos.

Mulier – Você acredita em um papel-chave das mulheres para trabalhar a sustentabilidade do planeta? Como?

Cláudia – Acredito na sensibilidade feminina como potencial de mudança. As ações precisam ser repensadas e analisadas incluindo os olhares, experiências e práticas para uma sociedade mais justa e sustentável, com menos desigualdades de gênero. A busca dessa sociedade passa pela ampla participação organizacional e de direito das mulheres na busca da visibilidade feminina e de sua inclusão no diversos cenários sociais.

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