Busca pela beleza é motivo de frustração entre as mulheres

2 de março de 2013 Comente »
Busca pela beleza é motivo de frustração entre as mulheres

Imagem: Quadro “A Toillet de Vênus”, de Pedro Paulo Rubens, 1614 – Reprodução

Jornal Mulier – Setembro de 2004, Nº 8

A paixão por si mesmo e a glamourização da própria imagem através do exagerado cuidado com a aparência são características de nossa sociedade ocidental contemporânea, que não poupa esforços na busca desmedida de prazer e realização pessoal. Uma enxurrada de imagens gerada por TVs, revistas e pela moda tenta passar, principalmente às mulheres, um ideal de beleza: a modelo jovem e magra tomando o lugar da feliz dona de casa como parâmetro de feminilidade bem sucedida.

Mas a existência de um ideal de beleza não é exclusiva de nosso tempo. Através dos séculos, os padrões estéticos foram mudando. Fazendo uma breve análise dos últimos 600 anos, temos na Europa Ocidental, até finais do século XV, o ideal medieval da dama aristocrática com quadris estreitos e seios pequenos. Durante o século XVI, a beleza feminina seria mais roliça, de ancas e seios generosos. A magreza era considerada feia, pouco saudável e sinal de pobreza. As mulheres entregavam-se a grandes cuidados e despesas para que a sua aparência se adequasse aos padrões, que foram relativamente preservados por cerca de 300 anos, de 1500 até 1800. Na Itália, França, Espanha, Alemanha e Inglaterra, o conceito estético era o mesmo: pele clara, cabelo loiro, lábios vermelhos, face rosada, mãos compridas, pés pequenos, cintura flexível, seios firmes, redondos e brancos.

Até então, estes códigos de beleza estavam restritos aos círculos aristocráticos. Depois do século XVIII, com a Revolução Industrial, o desenvolvimento de novas tecnologias possibilitou a reprodução e divulgação de imagens de como deveria ser a aparência, em figurinos, nas primeiras fotografias e em gravuras. Isto influenciou mulheres de todas as classes sociais e tem sido uma fonte inesgotável de ansiedade e frustração para mulheres que se sentem constrangidas com sua própria aparência por não conseguirem adequar-se aos modelos que lhes são mostrados.

Parece contraditório esta obsessão com a beleza, algo que existe tanto trabalho, não sai de graça e nos faz ter vergonha de nossa própria imagem. Para a escritora norte-americana e doutora em Literatura pela Universidade de Oxford, Naomi Wolf, em seu livro “O Mito da Beleza”, o fato se explica porque esta idealização da beleza não tem nada a ver com as mulheres. Ela diz respeito às instituições masculinas e ao poder institucional dos homens. Para ela, “quanto mais numerosos foram os obstáculos legais e materiais vencidos pelas mulheres, mais rígidas, pesadas e cruéis foram as imagens da beleza feminina a nós impostas”. Considerou-se ser mais fácil enfraquecer a mulher de classe média sob o ponto de vista psicológico, através de um sofisticado aparato tecnológico, no qual milhões de imagens do ideal em voga são disseminados, levando-as a inevitáveis comparações com outras mulheres consideradas lindas e perfeitas. Para Wolf, onde os ritos da beleza criaram essas neuroses de medo da vida nas mulheres modernas, elas paralisam as implicações de nossas mais recentes liberdades, pois pouco vale a nós, mulheres, conquistarmos o mundo apenas para ter medo de nós mesmas.

O mito da beleza, além de nos fazer “esquecer” de conquistas políticas, sociais e econômicas – direito ao voto, controle sobre o próprio corpo adquirido com a pílula anticoncepcional e acesso ao mercado de trabalho – também tem por objetivo manter em pleno vapor a economia. Ser mantida a um estado de ódio a si mesma, de fracasso constante, de fome e insegurança sexual, vivendo como aspirante à beleza, faz as mulheres comprarem mais. A indústria de emagrecimento e de cosméticos fatura bilhões de dólares anualmente, em todas as partes do mundo, veiculando imagens destinadas a reduzir o amor próprio das mulheres e vender seus produtos como solução.

Junto à pressão dos anunciantes uma cultura de 3500 anos ensina às mulheres de onde elas vêm e do que são feitas. O livro do “Gênesis” declara que todos os homens são criados perfeitos, enquanto a mulher começou como um pedaço de carne inanimada e imperfeita. Talvez por isso as mulheres tendem a se preocupar tanto com a perfeição física, diferentemente do que acontece com os homens. Como afirma Wolf, “as mulheres têm pouca privacidade física, cada mudança ou flutuação no peso é publicamente observada, julgada e debatida”. Além disso, nossos olhos estão acostumados a ver o tempo no rosto das mulheres como um defeito enquanto no dos homens ele indica personalidade, maturidade, sofisticação e elegância.

Por isso ser jovem virou slogan e condição para se pertencer a uma certa elite atualizada e vitoriosa. Como não poderia deixar de ser, a juventude é um poderosíssimo exército de consumidores pouco preocupado com a utilidade dos produtos que compra. Para a historiadora Mary Del Priore, em artigo no “Jornal do Brasil”, “a pele tonificada, limpa, passou a ser vista como uma forma de vestimenta, que não enruga nem ‘amassa’ jamais. O prestígio exagerado da juventude tornou a velhice vergonhosa”, sendo os nossos tormentos, diferentemente dos das nossas avós, a balança e o espelho, e não o fogo do inferno.

Entretanto, apagar os sinais do rosto de uma mulher equivale a apagar a idade, o poder e a história da mesma. Como definiu a psicanalista, poeta e ensaísta, Maria Rita Kehl, em artigo no jornal “Folha de S. Paulo”, “a desvalorização da experiência esvazia o sentido da vida (…) A experiência, assim como a memória, produz consciência subjetiva – uma mulher é aquilo que ela viveu. Descartado o passado, em nome de uma eterna juventude, produz-se um vazio difícil de suportar”.

Naomi Wolf defende um maior vínculo entre as gerações, já que o mito da beleza tenta dividir, lançar as gerações mais velhas contra as mais novas e vice e versa, fazendo com que se invejem ou odeiem a aparência umas das outras. Segundo ela, as mulheres gostam de ser desejadas e se sentirem bonitas, mas esta busca pela beleza não deve nos fazer mal, submetendo nosso corpo a cirurgias plásticas inconsequentes ou dietas que deixam nosso organismo carente de nutrientes ao ponto de desencadear problemas como bulimia e anorexia. Para Wolf, “o melhor que a ‘beleza’ oferece nos pertence de direito por sermos mulheres”.

Fontes

DUBY, Georges, PERROT, Michelle. “História das Mulheres no Ocidente”. V. 3. Porto: Edições Afrontamento, 1991.

WOLF, Naomi. “O Mito da Beleza”. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.

“Jornal do Brasil”, 07/03/2004.

Jornal “Folha de S. Paulo”, 20/09/1998.

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