Atendimento de saúde à mulher negra no Brasil é o mais precário

2 de março de 2013 Comente »
Atendimento de saúde à mulher negra no Brasil é o mais precário

Foto – “Mulher e seu filho em hospital no Rio de Janeiro” – Antonio Scorza, AFP/GETTY Images – Reprodução 

Jornal Mulier – Janeiro de 2009, Nº 60

Se as brasileiras em geral enfrentam grandes problemas de saúde, principalmente em relação à saúde reprodutiva, para as mulheres negras o fato é potencializado. No último “Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça”, os dados com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio 2006 (Pnad) mostram que a desigualdade no tratamento afeta a expectativa de vida da mulher negra. Isto “pode ser resultante de uma maior vitimização das mulheres negras em decorrência do sexismo e do racismo, que precarizam seu acesso aos serviços de saúde, habitação, emprego e renda, entre outros”, afirma o documento. Mulheres negras no Brasil têm expectativa de vida de 66 anos, mulheres brancas, 71 anos, de acordo com dados do Ministério da Saúde.

Mesmo sendo 30% da população feminina no Brasil, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), os dados sobre sua saúde, levando em conta a variável cor, têm sido subnotificados, prejudicando uma análise mais consistente. Entretanto, as características da saúde da mulher negra já começam a ser discutidas e são tema de pesquisas desde a década de 80, principalmente por luta do próprio movimento de mulheres negras. Um dos temas que suscitou este debate foi a questão da esterilização cirúrgica, um método comumente utilizado como contraceptivo para as mulheres negras.

Recente documento do Ministério da Saúde traz levantamentos interessantes para o entendimento do problema. Na pesquisa “Perspectiva da Equidade no Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal – Atenção à Saúde das Mulheres Negras”, podemos ter uma visão geral da saúde da mulher negra. Os dados socioeconômicos citados servem de base para o início da compreensão do problema: a maioria das negras encontra-se abaixo da linha da pobreza; a taxa de analfabetismo é o dobro das brancas; é, em sua maioria, chefe de família sem cônjuge e com filhos; e, por razões sociais ou de discriminação, mulheres negras têm menor acesso aos serviços de saúde de boa qualidade, à atenção ginecológica e à assistência obstétrica – seja no pré-natal, parto ou pós-parto, além de ter mais risco de contrair e morrer mais cedo de determinadas doenças.

Negras têm 50% mais chances de desenvolver diabetes que as brancas, aumentando sua predisposição à hipertensão arterial. Os dois problemas deixam essas mulheres expostas a uma gravidez de risco. Dados mostram que a morte materna por toxemia gravídica, mais conhecida como eclâmpsia ou pré-eclâmpsia (a primeira causa de morte materna no Brasil), é mais frequente entre as negras. A anemia falciforme, doença genética mais comum no Brasil, é muito prevalente entre mulheres negras, que apresentam maior risco de abortamento e complicações durante o parto, podendo causar prematuridade do bebê e deslocamento prematuro de placenta, entre outros, necessitando de acompanhamento intensivo.

Precariedade no atendimento

Pesquisas mostram que mulheres negras têm menos chances de passar por consultas ginecológicas completas e pré-natal, menores chances de realizar a primeira consulta de pré-natal em período igual ou inferior ao 4º mês de gravidez, de receber informações sobre os sinais do parto, alimentação saudável durante a gravidez e sobre a importância do aleitamento materno nos primeiros seis meses de vida do bebê. Também apresentam maior possibilidade de ter o primeiro filho com 16 anos ou menos, de ter uma gravidez indesejada, de não receberem assistência médica durante toda a gravidez e/ou não serem examinadas adequadamente.

Portanto, a morte materna para esse grupo populacional está relacionada à predisposição biológica para doenças como hipertensão arterial, fatores relacionados à dificuldade de acesso, à baixa qualidade do atendimento recebido e a falta de ações e capacitação de profissionais de saúde voltadas para os riscos específicos.

Segundo o estudo, “a mulher negra está na intersecção das discriminações raciais, de gênero e de classe social, tornando-se maior o risco de comprometimento de sua identidade pessoal, imagem corporal, seu autoconceito e autoestima”. Além disso, “a discriminação e a exclusão aumentam na mulher negra sua susceptibilidade à violência dirigida a si própria e aos outros, aos hábitos de vida insalubres, como o tabagismo, por exemplo, e à dificuldade em desenvolver estratégias positivas de enfrentamento do estresse”. Talvez isso explique as principais causas de morte entre mulheres negras. Enquanto mulheres brancas morrem de acidentes de trânsito, derrame e câncer de mama, mulheres negras morrem de derrame, AIDS e infarto.

A AIDS, como se pode ver acima, é outro problema de saúde para as mulheres negras, como afirma Fernanda Lopes, no estudo “Saúde da População Negra no Brasil: contribuições para a promoção da equidade – experiências desiguais ao nascer, viver, adoecer e morrer: tópicos em saúde da população negra no Brasil”. Segundo a autora, “em todos os lugares do mundo onde as desigualdades raciais são naturalizadas, a epidemia de AIDS atinge de forma severa os grupos historicamente excluídos da riqueza social, bem como aqueles que são culturalmente discriminados”. Enquanto 42% das brancas protegem-se utilizando preservativos entre a população jovem, apenas 28% das negras o fazem. Pesquisas mostram que o preço do preservativo pesa mais para negros que brancos, fazendo estes dependerem mais do Sistema Único de Saúde e terem menos conhecimento sobre a distribuição gratuita dos mesmos. Para Fernanda Lopes, “a falta de acesso aos recursos preventivos (teste e preservativo), a falta de habilidade para utilizar ou negociar o uso, no caso do preservativo masculino, incrementam a vulnerabilidade de mulheres e homens negros, independentemente de sua idade”.

Para as mulheres com AIDS as dificuldades são muitas: geralmente descobrem a doença em virtude da morte do parceiro, deixam de receber orientação no momento anterior e/ou posterior ao teste, têm menos chances de acesso a informações corretas e adequadas sobre seu estado clínico, redução de danos por uso de drogas injetáveis e sobre uso de antiretrovirais para o recém-nascido. Também há dificuldade em tirar dúvidas no serviço especializado e conversar sobre a sua vida sexual ou solicitar orientação. No ano 2000, a taxa de mortalidade por AIDS no Brasil foi de 10,61 por 100 mil mulheres brancas e 21,49 por 100 mil mulheres negras, ou seja, o dobro.

Tentando reverter esse quadro, o Ministério da Saúde elaborou a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. O trabalho inclui ações de cuidado, promoção à saúde e prevenção de doenças; produção de conhecimento; formação e educação permanente para trabalhadores de saúde, com o objetivo de promoção da equidade em saúde da população negra e redução de indicadores de morbi-mortalidade por doenças mais incidentes entre a população. Os I e II Plano Nacional de Política para as Mulheres também contemplam ações em prol da melhoria da saúde da mulher negra.

Fontes

BENEVIDES, Maria Auxiliadôra da Silva et al.. “Perspectiva da Equidade no Plano Nacional pela redução da mortalidade materna e neonatal: Atenção à saúde das mulheres negras”. Brasília: Ministério da Saúde, 2005.

GIORDANI, Annecy Tojeiro. “Violências contra a mulher”. São Caetano do Sul: Yendis Editora, 2006.

LOPES, Fernanda. “Saúde da população negra no Brasil: contribuições para a promoção da equidade. Experiências desiguais ao nascer, viver, adoecer e morrer: tópicos em saúde da população negra no Brasil”. Brasília, 2004.

VENTURI, Gustavo, RECAMÁN, Marisol, OLIVEIRA, Suely de (orgs.). “A Mulher brasileira nos espaços público e privado”. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004.

“Estimativa 2008: Incidência de câncer no Brasil”. Rio de Janeiro: Inca, 2007.

“Retrato das desigualdades de gênero e raça” – 3 edição. Brasília, setembro de 2008.

“Política Nacional de Saúde Integral da População Negra”. Ministério da Saúde: Brasília, 2007.

“Saúde Brasil 2007 – Uma análise da situação de saúde – Perfil de mortalidade do brasileiro”. Ministério da Saúde: Brasília, 2008.

Jornal “Folha de S. Paulo”, 14/02/2005, 22/06/2008.

Jornal “Folha de Pernambuco”, 02/12/2008.

Jornal “O Globo”, 20/05/2007, 02/05/2008.

“Jornal do Brasil”, 31/12/2008.

Jornal “Mulier”, setembro de 2007 e fevereiro de 2008.

Revista Scientific American Ciência e Saúde – Mulher – Novos desafios para o corpo”, N° 01.

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